Quando Davi, meu filho, nasceu, nós passávamos a maior parte do tempo em casa. Ao invés de descobrir ruas e avenidas, encontrar amigos, naquele momento eu descobria dobrinhas novas nas coxinhas dele e um jeitinho novo de sorrir a cada dia.
Meu filho nasceu em casa, de parto normal. Eu nasci mãe aos poucos, na medida em que fui sendo. Crescemos e conquistamos o mundo, os dois.
Davi tem três anos e, nesse ano de isolamento, estamos novamente nos esbarrando pela casa, nos misturando, espelhando nossas emoções. Agora que tá crescido, ele tem mais demandas dos seus quereres. Eu também. Uma das minhas demandas chama-se Delivery Besteirológico, que consiste na criação de vídeos rotineiros para a associação Doutores da Alegria.
O trabalho de produzir conteúdos com minha palhaça, dentro de casa, mobiliza a todos. Na semana de entrega de vídeo, coincidiu de Davi estar gripado. E tudo que ele quer nesses dias –e também nos outros– é atenção. Enquanto ele cochilava, fui fazer maquiagem, escolher cenário, sequência de ações e… MAMÃE! Davi acordou.
O atendimento que fazemos às crianças nos hospitais valoriza um aspecto essencial de qualquer criança, que é o prazer de brincar. Lá, não vamos tratar das doenças, mas iluminar o que está saudável.
Dentro da disponibilidade que a criança nos oferecer para esse encontro, descobriremos juntos o que podemos criar. Muitas vezes vamos aos hospitais munidos das nossas gags e piadas e, lá, descobrimos, durante a relação com a criança, que temos que abrir mão de todas as ideias do repertório e entender por onde a brincadeira vai se dar.
No contato com meu filho também acontece assim. Todos os dias abrimos espaços para escutarmos um ao outro, para nos respeitarmos, para criarmos juntos nossas brincadeiras, nossos sonhos, nossos mundos. Naquele dia, no quarto com Davi, fiz um atendimento besteirológico. A câmera observando, sem piscar, cada salto que nossas imaginações eram capazes de dar, nos levando a construir passeios incríveis.
No contato com ele, aprendo que não precisamos conter ou guardar o que sentimos, mas criar cada vez mais espaços para nos expressarmos. Davi, sem dúvida, me ajuda a ser palhaça. E minha palhaça, sem dúvida, me ajuda a ser mãe.
Aquele dia de trabalho saiu diferente do que eu tinha planejado. O vídeo não teve o cenário nem as ações que preparei. Mas de repente o dia saiu do melhor jeito: priorizando o encontro com a criança, a brincadeira e a escuta.