todos nós, seres humanos, estamos bem apressados. Temos muita coisa pra fazer.
Desejamos que essas “coisas” que tomam nosso tempo gerem algum mérito positivo nas nossas vidas, afinal o tempo está passando mais rápido, né não?
Isso me fez lembrar da história do J., uma criança de aproximadamente oito anos. O olho do J. brilha. Vocês perceberam? É questão de segundos. Basta olhar pra ele e estar presente. O olhar dele brilha. Quem cuida dele é o pai, que deve ter deixado de lado muita coisa da vida pra cuidar de algo precioso. Nessas horas, a relação do ser humano com o tempo muda. Apressar-se pra ir pra onde? Por que tanta pressa?
Da porta da enfermaria víamos o pai do menino. Ele acariciava a sua cabeça, cochichava no ouvido e abria um sorriso no canto da boca. A criança permanecia encolhida na cama, deitada de lado, com o olho mirado pra um canto miúdo entre o travesseiro e o lençol. Era assustador o tamanho daquela tristeza, apertada naquele corpo miúdo. Vocês perceberam?
Mas o seu olho brilhava. Vocês viram? As crianças têm um grande mérito: a verdade. A essência delas não foi tão “retocada” por nós, adultos. E no J., mesmo triste, seu olho brilhava. Descobrimos ali, de forma apressada, assim despejada por quem tem tanto pra fazer, que o garoto iria amputar todos os membros. Ele não queria papo com ninguém.
– Tudo bem, J. Sei que você não quer muito papo com a gente. Mas só queríamos mostrar pra você uma flor cultivada pelo Dr. Eu_zébio. Ela tem o poder de acordar justamente nessa hora. E quando ela acorda, cresce muito.
Tiramos uma flor artesanal de dentro do jaleco que, ao ser manuseada, fica de vários tamanhos e cores. O J. virou um pouquinho a cabeça pra ver a flor.
– Olha, hum. E ela é cheirosa. Caramba, cresceu. Olha, tá crescendo!
Ele olhava atentamente pra flor. Seu pai sorria e por isso aumentava as bochechas e apertava os olhos.
– Nossa, J., a flor parou de crescer.
Logo seu pai soprou em direção à flor, que cresceu mais um pouco.
– Já sei! Ela vai ficar maior se a gente molhar.
Fizemos bolha de sabão e cresceu outro tanto. O menino, sério, calmo, cabelo espetado, seus pés e mãos enfaixados, olhar preto e redondo, olhava pra flor que já tomava todo seu leito.
– Agora precisamos colocar ela pra dormir. João, você sabe colocar flor pra dormir?
Ele virou o rosto e não quis conversa.
– Acho que música é bom. Uma música bem calma.
Dr. Eu_zébio tocou uma música bem calma e eu, Dr. Marmelo, fui recolhendo a flor para dentro jaleco. A flor adormeceu. A música era tão calma que Eu_zébio também dormiu, encostado na cama do J. Eu “nem percebi”.
E para a nossa surpresa, o menino apontou o braço em direção ao Dr. Eu_zébio, mostrando que ele tinha adormecido. Logo tirei o paspalho de lá. Na retirada, sua peruca caiu. Já era tarde, J. acabou descobrindo a careca do Dr. Eu_zébio. Da porta da enfermaria a gente via o garoto contorcendo o pescoço pra olhar a nossa saída. Tinha na sua boca um sorriso.
Aquele de cantinho de boca. Seu pai cochichava algo ao seu ouvido. Ele sorria. Bem verdadeiro. Seu olho brilhava.
Dr. Marmelo e Dr. Eu_zébio (Marcelo Oliveira e Fábio Caio)
Hospital da Restauração – Recife