Os afetos habitam muitos lugares, escondidos e revelados, trancados e esparramados. Mas existe um lugar onde o afeto mora e não tem como esconder: é no abraço. Parece que a gente tá preso, mas pode se soltar ou abaixar a qualquer momento. É leve, mas também pode ser apertado.
Aqueles que se dão e balançam eu não gosto. Mas os abraços demorados, onde se sente o cheiro, a respiração, aquele que desarma, esse faz bem para quem vê ou recebe.
Abraçar é comovente e tão íntimo que não é comum abraçar todo mundo. Já viram? Se a gente sair por aí querendo abraçar quem não se conhece, vai ser visto como desesperado na carência ou desses destemidos de alma livre. É por isso que ele se tornou símbolo de muitas lutas. É sim, vou te lembrar.
Sabe quando algo de ruim acontece, ou que incomoda muita gente, e não se pode fazer muita coisa? Então… as pessoas combinam um local e juntas vão abraçar, tipo um parque, um cinema, uma árvore.
O abraço coletivo é uma junção de forças que faz bem, mesmo para quem não gosta. Porque tem, e vai ter sempre, aqueles que não gostam de quase tudo. E não é só do abraço, não. Não é mesmo? Então!
Mas, digo tudo isso, porque teve um abraço que me abraçou duplamente e eu nem abraço muito no hospital. Porque tem muita coisa que se dá num abraço, mas que também se pega, né mesmo?
A Simone, lá da UTI, sabe bem disso. Eu fujo do abraço dela como gato foge da água. Ela lembra aquela personagem do desenho animado… é, aquele que aperta… e tem um coelho… FELÍCIA! Essa mesma.
É muito amor para dar, que faz os abraços dela estrangularem os olhos do Pernalonga. Mas já estou me alongando, e é melhor seguir.
Aquele abraço veio num momento em que tudo era silêncio, o olhar daquela mãe vagava no espaço infinito sem destino de contemplação. Foi aquele “Tá tudo bem ou tá tudo bom? ” , que fez ela olhar e enxergar um sentimento preso, desesperado para sair correndo e encontrar quem o afagasse.
Depois de tanto tempo vivendo e brincando nos hospitais, a gente sabe bem a hora de lidar humanamente com as situações. Foi aí que ficamos flutuando, eu e Dr. Lui. Sim, era um misto de eu mesmo e ele, sabe? Não sei se consigo explicar isso agora ou se vocês vão entender.
Mas o importante é que eu estava ali, na hora certa de acolher aquele pequeno desespero. E ao nos olharmos, ela disse:
– Eu só queria um abraço!
Ela se levantou da cama, e como uma pequena criança que perdeu algo precioso, tremeu num choro bem molhado. Seu corpo tremia, como se treme no frio. Eu quase fui junto na cachoeira, mas ia alagar muito a enfermaria e as meninas da limpeza não gostam muito quando se brinca com isso.
Senti tudo que tinha para sentir junto com ela naquele abraço, e disse que agora eu precisava devolver e pedir para o vento que levasse ou procurasse quem cuidasse dele. Ela até sorriu, era um alívio naquele pequeno fardo.
Ela estava numa enorme enfermaria com muitas outras mulheres, mas estava só. E, às vezes, eu me pergunto porque a vida nos reserva esses pequenos desvios de sutilezas e faz a gente não ser o que a gente é pra ser, sabe?!
Confuso isso? Bom, apenas compartilho. É que tudo isso eu fiquei pensando depois. É como se, na urgência do meu fazer, eu precisasse de tempo para perceber a necessidade dela e supri-la. Não com alegria, piada ou riso, mas apenas abraçando, entende?
De lá saímos e lá eu continuei um pouco por uns instantes, tentei responder as tantas coisas que chegavam até mim pedindo respostas. Daí encontramos com outras pessoas e voltei para aquele momento, mas bem sei que aquele abraço, jamais, jamais vai se repetir.
E eu fiquei feliz por ter vivido com ela nesse momento.