O que ouvimos quando não estamos falando? O que o silêncio pode nos trazer? O quanto nosso pensamento fala? E quando o pensamento tá falando junto com o apito dos aparelhos, o paciente, o colega ao lado e o choro da criança em outro leito, como que fica dentro da gente? Que som escolher fazer ou escolher calar em meio a tanto ruído? Que som escolher quando há um certo silêncio ainda que barulhento?
Desculpa pessoal que está lendo este relatório, tô barulhenta por dentro. Cheia de perguntas e ideias pipocando. E como pipoca não se come sozinha, vim dividir com vocês.
Tudo começou nesse dia que dormi pouco, acordei atabalhoada, quebrei a jarra de café, passei com a porta em cima do pé e pra terminar de rimar não vi que coloquei uma meia com chulé. Então, concentrei bem antes de entrar e funcionou. Quer dizer… funcionou por um tempo.
Sabe quando tem água vazando e você coloca um negócio pra tampar, mas a água é muita e faz pressão voltando a transbordar? Pois é, eu tava transbordando. Jogando água pra fora da bacia. Tava expandida. O que não é de todo ruim, porque quando transbordamos é também um fluxo de criatividade pulsante (tô muito metafórica… tá dando pra acompanhar? Pode reler se estiver na dúvida).
Voltando ao dia em questão: Dr. Totó e Dr. Peteco me tiraram de muitos quartos porque comecei a cantar compulsivamente, em outro virei galinha, teve um leito que Totó propôs um exame de voz que consistia em falar “o quê que Cacá quer? Cacá quer caqui…” e eu fui fazer junto e virei um carro com motor a álcool pegando de manhã cedo num dia frio (essa metáfora acho que caiu em desuso) e não parei mais.
Acho que o carro desceu ladeira abaixo num paralelepípedo. Mais uma vez fui retirada do quarto. Todas essas vezes foram muito divertidas, mas teve uma em questão que me deixou sem calção, metaforicamente falando claro.
Nós entramos no quarto de JG, que era um menino grande que não ria muito, só quando era pego de surpresa. Então falei pra Peteco disfarçar e pegar ele de surpresa. Peteco deu um susto nele que não se assustou, assustou a mim, o que fez JG rir. Funcionou! Mais ou menos, porque o susto que eu tomei fez JG rir, mas também fez com que eu reagisse de forma barulhenta, acordando Pê, um bebê fofo que estava dormindo ao lado.
Aff! Que som escolher fazer ou calar agora? Escolhi a música que combinou bem com o colinho da mãe tranquila que o ninava novamente. Em dupla, eu e a mãe, fizemos Pê relaxar. Mas eu, Matilde, não relaxei, fiquei tensa e só ficava “ai ai ai Matilde!” por dentro. E quando a gente fica assim, faz muito barulho dentro.
Até que descemos pra UIC e Peteco se conectou pelo olhar com Ande. Ficaram os dois parados (silêncio) apenas se olhando ( ). Essa é a conexão mais forte que a gente pode fazer, pois o silêncio contém todos os sons. É como o quadro branco que contém todas as possibilidades.
Está tudo em aberto e ao mesmo tempo tá tudo ali dito. É profundo quando conversamos sem nada dizer. A partir daí, Peteco, Totó e eu jogamos em silêncio, de fazer Peteco aparecer e sumir. O que sem piada alguma fez Ande gargalhar gostoso. Lembrei de outros dias que nos comunicamos assim: com um menino que estava no isolamento e fez corações de trás do vidro, e que eu e Totó tivemos muita dificuldade de fazer também do outro lado.
Ou quando da vez que fui dar tchau com a mão e não consegui mais parar (é verdade, às vezes as partes do corpo ganham independência e nos atacam). Parece que as crianças gostam quando somos atacados. Ou tantas outras vezes que só nos comunicamos por ritmos no corpo, gestos, olhares… experimentem.
É a sensação mais incrível que tem, pois uma piscadela ou uma sobrancelha que levanta diz muito mais do que palavras.