Nem sempre os besteirologistas são queridos à primeira visita.
É preciso, muitas vezes, o tempo da conquista até que os laços de estabeleçam. E esse é o caminho que leva e eleva os encontros aos momentos felizes dentro de um hospital. E como nem tudo é fácil, é preciso persistir e achar, ao menos, uma brecha no meio de um choro imbuído de medo, manha ou outro sentimento de vulnerabilidade de uma criança, por exemplo, para a transformação crescer.
Naquele dia, a pequena D. chorou bem depois de termos tido a permissão para entrar na enfermaria e de ter nos olhado três vezes. A sua mãe, fonte e porto seguro, não estava ao seu lado e isso agravou a reação. Enquanto ela chorava, as outras crianças esperavam, ávidas, a vez de a brincadeira acontecer com elas. É sempre comum, ao vermos uma reação de choro de uma criança, acreditarmos que não é conveniente nossa presença e partirmos. Nessas situações me pego pensando que sair, desistir, é o caminho mais fácil e previsível.
Às vezes, claro que não dá para seguir, noutras tem sempre uma chance. E talvez eu acredite sempre na outra chance. É que o meu desejo por dentro e fora da máscara que uso é de ir além, de mudar, de conseguir conectar e estabelecer um canal de comunicação sem desistir tão fácil do encontro só porque tem choro. Isso é um desafio, um risco, um abismo cheio de possibilidades.
E foi sem medo de partir o fio, e percebendo que aquele choro era porque ela acreditava que por trás daquela máscara não havia um ser gente, um humano chorão feito ela, que decidi ir além. Enquanto a razão pedia para sair, ir embora, a emoção pedia que arriscasse atravessar o limiar. Assim foi que, ao lado de sua mãe, retiramos o nariz vermelho de palhaço que somos e revelamos o “nosso segredo”. E eis que a fonte secou e o olho brilhou, mas sem rir.
Ela se viu no espelho dos nossos olhos e reconheceu uma criança, mais adulta que ela, e que sabia e queria brincar.
E assim saímos, sem mais som nenhum de choro, apenas um olhar silencioso e curioso acompanhando nossas ações e brincadeiras com as outras crianças da enfermaria. Se fôssemos embora, desistido dela, o choro não seria alento do desconhecido. Ao menos agora, ela saberá que o mistério está além do que se quer ver e o que se vê é real como ela é.
E se algum dia me vir chorando, não vá embora e nem desista de mim.
Dr. Lui (Luciano Pontes)
Hospital Barão de Lucena – Recife