Das inúmeras atividades que me tomam a rotina como diretor-presidente da Doutores da Alegria, considero duas fundamentais.
A primeira é o exercício de “descolar” do presente, avançando no tempo para imaginar caminhos possíveis para essa organização de 33 anos. Qual a marca que Doutores da Alegria deixa? Faz sentido sua existência? Que atributos a tornam fundamental para nossa sociedade? E como ela pode aumentar seu impacto social?
A segunda atividade é pensar na sustentabilidade financeira, algo com que me ocupo desde 2005, quando assumi a diretoria executiva. Por que empresas e pessoas deveriam apoiar uma organização que insere artistas profissionais em hospitais periféricos? Por que investir em arte em um equipamento público?
É claro que temos algumas dessas respostas na ponta da língua: Doutores da Alegria se tornou referência em humanização na saúde, nos anos 1990, ao ressignificar a experiência de internação. A iniciativa ainda reverbera no SUS —tanto para profissionais de saúde, que se deixam afetar pela arte em meio a rotinas duras e típicas de um hospital que lida com diversas questões sociais, quanto para os pequenos pacientes e suas famílias, que passam a aceitar melhor o tratamento. Uma parceria potente e reconhecida entre arte e saúde.
Em relação à sustentabilidade financeira, dado que somos uma associação que se mantém em grande parte pelas políticas de incentivo à cultura, é tarefa nossa levantar a bandeira da cultura como direito de todos. Em um país onde o acesso a bens culturais reflete nossas imensas desigualdades, o incentivo fiscal para o investimento neste campo está na ordem do dia. E encontrar empresas dispostas a apoiar ações culturais, entendendo a importância da arte em um ambiente adverso como o hospital, revela a importância destas políticas.
Passamos os últimos anos organizando a casa. Para além da nova governança, de uma nova tarefa institucional, das respostas à pandemia e das políticas de diversidade, a diretoria capitaneou ações para contornar as consequências de dois anos sem aprovação de planos anuais pela Lei Rouanet.
Em tempos de ESG e de causas urgentes como mudança climática e fome, arte e cultura podem parecer bandeiras secundárias. Mas é importante lembrar que são elas as engrenagens fundamentais para o desenvolvimento de uma nação que se orgulha de sua gente. Da música à literatura, da dança ao teatro, da série no streaming ao quadro no museu: quem não tem seus sentimentos mexidos ou provocados pela arte? É assim também em um leito na pediatria, na enfermaria ou na UTI.
Ainda que tenhamos algumas das respostas, como organização mantemos nossas pulgas atrás da orelha —assim mesmo, como gostam os palhaços, hábeis em fazer perguntas que desconcertavam até mesmo grandes monarcas.
Cultivar essas “pulgas” é fundamental para desafiar as respostas que estão sempre na ponta da língua. E para ter a ousadia de repensar Doutores da Alegria para esses novos tempos.
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