O menino nos estranhou na primeira visita.
Ele estava na ala de cirurgia pediátrica e descobrimos que seus pais eram bolivianos.
Isso levantou o topete do Dr. Zequim, que desembestou a falar castelhano e se declarou boliviano nato. Eu não me fiz de rogada, empreguei o meu melhor portunhol na conversa!
Diante de tanta falação, o menino se colocou como espectador. Ouvia a tudo sem dizer palavras. Num determinado momento, quando a relação com sua família já estava estabelecida, não me lembro mais qual era o assunto, mas quis presentear o menino. Claro que o presente proporcionaria um desconforto ao Zequim, mas era de propósito.
Pedi ao garoto que esperasse um minuto, corri até a enfermaria e peguei uma luva cirúrgica, que aliás, para quem não sabe, é a rainha da transformação: pode virar peixe, galinha, vaca e por aí vai…
Cheguei ao quarto e fui logo preparando o presente: um tubarão! O Dr. Zequim morre de medo, brrr! Enquanto transformava a luva, quis ter certeza de que o menino não teria medo.
– Te gustan los tiburones?, perguntei. Ele fez que não com a cabeça.
– Ah! No? Entonces… Y las gallinas, te gustan las gallinas?
Fez que não com a cabeça.
– Bueno… Las vacas, te gustan las vacas?
O “não” persistia. Diante de tamanho fracasso, eu me rendi. Perguntei ao seu pai:
– Qué passa que no le gusta nada?
E o pai respondeu em português:
– É que ele não fala espanhol!
FOOOOOOOOOOMMMMMMMMMMMM!!!!!!!!
Claro que tive que me retirar do quarto sob risos de todos – principalmente do Zequim – indignada por haver gasto todo meu espanhol naquela visita…
Dra. Greta Garboreta
Hospital Geral do Grajaú – São Paulo