Os besteirologistas na arte da conquista no hospital
O hospital nunca foi um espaço preparado para nós, Doutores Palhaços, como o Peteco, Totó e Matilde. Há um tempo trabalhando no hospital, percebi que esse lugar exige a conquista diária da confiança e do respeito pelo trabalho de Doutores Palhaços. Esse trabalho já é feito há um ano e, nesse período, temos o desafio de conquistar não só os pacientes que atendemos, mas também a confiança diária da equipe do hospital, pegando as informações corretas para que possamos nos preparar para os encontros do dia a dia – pois nosso trabalho se baseia no que cada encontro nos oferece e em como podemos transformá-lo. E é sobre uma dessas conquistas que irei contar agora para vocês.
Conquistando a confiança de Tetê
Quando chegamos, ela ficou meio amedrontada e desconfiada. Eu entendi que ali precisaríamos de um processo de conquista que poderia durar dias, horas, minutos ou segundos. Matilde rapidamente entendeu seu medo de palhaço, avisado pela mãe, e se colocou no lugar dela, demonstrando empatia por aquele momento com a seguinte pergunta:
– “Tem algum palhaço aqui? Se tiver, você me avisa porque eu morro de medo de palhaço”. Logo a mãe falou:
– “Viu, filha? Ela também tem medo de palhaço”.
Pronto, assim foi criado um acolhimento daquele sentimento imposto pela figura do palhaço. Começamos a perguntar à Tetê se ela viu palhaço por ali, enquanto Tetê dizia que sim com a cabeça. Matilde começou a procurar embaixo da cama, do lado de fora, no banheiro…
Totó teve uma ideia, a ideia de tocar música para descobrir se tinha algum palhaço ali. “Se tiver, você me fala”, disse Totó para Tetê. Matilde e Peteco caíram na dança. Os palhaços que ali estavam: Totó com o pandeiro, eu com o meu ovo musical e meu chocalho, e Matilde com a Jurema (seu ukulelê). Tetê ficou de pé em sua cama, dançando. Saímos de lá encantados com a sua dança.
Despedida e a dança de Tetê
Em outro dia de trabalho, fomos surpreendidos pelo chamado de sua mãe, avisando que seria o dia da despedida. Matilde, que não lida bem com as despedidas, começou a chorar e a rebolar – toda vez que ela chora, ela rebola. Mas Tetê acalmou o ambiente com um abraço confortante em nós três e, logo em seguida, nos apresentou sua vovó, que foi buscá-la para voltar para casa. Ela nos mostrou, mais uma vez, sua dança através do samba lelé, ou melhor, da dança de Tetê. Seguimos o nosso caminho.
Lições aprendidas com Tetê
Uma coisa aprendi com você, Tetê: que um olhar desconfiado ou até mesmo amedrontado pode esconder um abraço tão gostoso e cheio de carinho. Por isso, seja a criança ou o palhaço, não precisamos ter medo; precisamos ter calma e entender que, assim como cada criança, cada palhaço, cada mãe e cada profissional que está ali tem o seu processo, o seu momento. Sem julgamentos, todo mundo tem o seu processo, e todo processo tem início, meio e fim. E um abraço confortante.
E é aí que está o grande desafio do nosso trabalho: transformar o sentimento numa coisa conjunta e colocá-lo à disposição de tudo e todos. E sim, através da disponibilidade do encontro, conquistar a confiança da criança, da família e da equipe do hospital, mostrando que nosso trabalho é um trabalho diário de conquista, assim como o de uma rotina de um hospital, onde todo dia é uma conquista. E mostrar que nosso trabalho, de Doutores Palhaços, também faz parte dessa rotina.
O hospital: um lugar de processos e de empatia
O hospital é um lugar de processos e protocolos de atendimento, mas também da conquista do espaço, da confiança, da esperança e da empatia. Em nosso trabalho, o palhaço pode chegar perguntando se alguém já fez cocô, falando o nome errado, brigando com uma galinha, cantando ou apenas perguntando se pode entrar, acolhendo o medo e a insegurança do outro e se colocando no seu lugar. Aprendi isso com a Tetê.