Nunca dei muito ouvido à moça do tempo. Se ela diz que a previsão é de chuva, eu levo um casaco e deixo o guarda-chuva.
A moça não falou na TV, mas eu sei que estamos passando por uma alta pressão atmosférica. E do jeito que a coisa anda nebulosa, a previsão é de nuvens carregadas com fortes pancadas. Pessoas frias em pleno aquecimento global. Chuva molhando gente completamente seca. Lares que desabam. Cadê minha casa? Não tirem minha vida!
Olho para o lado e uma coreografia de “mãos para o alto, é um assalto!”. Parem essa música! Crianças fazendo coisas de gente grande. Pais sentados na calçada enquanto seus filhos arrumam o dinheiro da feira. Água no vidro do carro. Falei que não quero! Mas as coisas não vão mesmo do jeito que a gente quer. Nó na garganta, rouca. Sem voz ativa. Sem indiretas. Falo de coração. Saudade do tempo em que brincadeira de criança era na rua e não nas ruas.
Moça do tempo, que clima é esse? Amanhã quero acordar com o sol brilhando na janela. Tirar o mofo. Regar as plantas e aquecer a alma.
Os encontros com F. têm sido gotículas de esperança. Sol quando aparece no inverno que a gente quer aproveitar ao máximo. Menina, de 8 anos aproximadamente. Sempre acompanhada de sua mãe, que dessa vez nos chamou:
– Venham falar com F. Ela vai hoje para sua terceira cirurgia e quer levar um pouco da alegria de vocês.
Fomos. E nosso papo é totalmente musical. Desde o primeiro dia de encontro ela já foi cantando “Alecrim dourado”. E nesse dia não foi diferente. Ela cantando com um microfone improvisado de seringa, Dr. Lui e eu fazendo o acompanhamento com nossos instrumentos e sua mãe sentada vendo aquela cena que antecedia o momento da cirurgia.
F. estava inteira, sem nem se preocupar em acertar o tom, a letra, essas coisas de adulto. Sua mãe estava aos pedaços, mesmo fingindo que não, essas coisas de mãe. Vi passar um filme nos seus olhos. Um filme do maior amor do mundo. Daquele que de tão grande aperta e dói.
A moça do tempo não me falou, mas sei que a qualquer momento ia chover naquele olhar.