Na nossa primeira semana de trabalho, no começo do ano, conhecemos um garoto. Foi um encontro rápido e potente.
Eu (Dr. Lui) e o Dr. Marmelo entramos na enfermaria. Tinha uns leitos vazios e outros ocupados por crianças que dormiam. O lugar não tinha muita luz, mas a que tinha era suficiente pra deixar o ambiente visível. Paramos na porta, fitamos toda a enfermaria e vimos que apenas um leito tinha acompanhante, pois as mães e pais das crianças tinham ido almoçar. Fomos direto para lá.
Lá estavam sua mãe e uma técnica de Enfermagem. A mãe ajudava a técnica com os seus afazeres e a técnica arrumava o soro da criança, que estava de olhos fechados, deitado. O menino tem aproximadamente 8 anos, vive no mundinho dele, como toda criança. E este mundo é bem próximo do mundo do palhaço, onde nada é o que é, as coisas são o que a gente quiser.
– Eu tenho um violão. Posso fazer um ultra som?, perguntou o Marmelo com voz suave.
Pra quem não sabe ainda, o nosso “ultra som” nada tem a ver com o exame de imagem. Na Besteirologia, ultra som é um diagnóstico feito com música. A mãe e a técnica deram um sorriso de canto de boca, autorizando a gente a cantarolar a música. Dr. Lui logo perguntou se podia ajudar e sacou do bolso um triângulo de cor prata.
– Estou pronto!, disse o Lui.
Dr. Marmelo arrumou o jaleco, organizou a calça, o cabelo, apoiou a perna, testou a voz, reorganizou o jaleco, foi para onde tinha luz, desistiu, voltou, deu calor, pegou novamente o violão, coçou o nariz…
– E essa música é pra hoje?, perguntou a mãe.
Começamos a cantar. Não saiam palavras, apenas sons da nossa boca: vogais, sílabas, pa, pipa, teca, pi ri pi… O menino abriu um sorrisão daqueles. E elas – a mãe e a técnica se juntaram no riso.
– Olha, ele riu!, falou a mãe.
– Nunca vi esse menino dar uma risada…, confirmou a técnica.
Pronto, mais um ultra som com diagnóstico positivo.