O Enzo foi uma grande surpresa naquele dia. Assim que aparecemos na porta da enfermaria, ele pulou da cama para o colo da mãe, que estava sentada na cadeira colada à cama dele. Escondeu o rosto no corpo da mãe como uma declaração clara de medo ou uma simples recusa da nossa presença.
Estamos cientes que cada criança tem seu ritmo e não vale a pena insistir nem apressar os encontros. O melhor nesses casos é passar direto pra atender outra criança e, pelo canto do olho, a gente vai percebendo o grau daquela recusa inicial. Se o não é um não mesmo ou um simples talvez, como quem diz deixa eu ver primeiro o que acontece pra ver se eu aceito.
Uma certa paciente do Procape levou meses pra aceitar a presença dos besteirologistas, bastou chegar uma outra dupla pra substituir os palhaços que trabalham regularmente neste hospital para ela cair no choro quando se aproximaram.
O que me faz lembrar de um fato marcante acontecido também no HUOC anos atrás, onde uma delicada relação com a criança estava sendo construída.
Muitas semanas se passaram no seu longo internamento até ela realmente interagir conosco e, no dia que parecia ser aquele onde a chave do medo seria desligada, uma técnica de enfermagem aproveitou a “distração” da criança e enfiou-lhe a agulha no braço, pondo o trabalho da conquista por água abaixo.
Voltando à nossa história, passamos direto da cama do Enzo e fomos atender a Sara, que nos esperava com uma expressão quase intraduzível, um misto de atenção e curiosidade.
Sentada no berço, ela olhava atentamente segurando no dedo da mãe, primeiro pra Dra. Baju e em seguida pra mim. Atenta a qualquer movimento, começamos a fazer sons alternadamente e Sara girava a cabeça olhando diretamente para quem fazia o estímulo sonoro.
Baju começou uma melodia no violão e eu comecei a cantarolar o seu nome no ritmo da música: “Sarah, sara, Sarah! Sarah, sara, Sarah. Sarah, sarará!”. Não é que a pequena começou a remexer? Olhava e dançava!
Pelo canto do olho víamos o movimento do Enzo, que já tinha voltado pra sua cama e dava sinais de animação, verbalizando até o convite: “Venham aqui!”.
Fomos e aproveitamos para nos apresentar para o nosso novo paciente. Baju foi logo se adiantando dizendo que éramos besteirologistas, que ela era a médica e eu era o besta. Aí o Enzo apontou pra mim e disse:
-“Palhaço!!!”.
–“E ela?”, perguntei apontando para Baju.
-“Médica!”, disse ele. E eu? Perguntei.
–“Palhaço!!!”.
Quis a todo custo provar que era médico também, saí e entrei diversas vezes com gestos e andar de médico, mas todas as vezes ele sentenciava “Palhaço!!!”. Certa vez entrei com tanto ímpeto que tropecei e minha calça caiu. O Enzo não se aguentava de tanto rir, pulando de alegria em cima da cama e apontando enfaticamente para o chão:
-“Sua calça caiu, sua calça caiu!”. Fiquei tão atordoado que saí de lá correndo seguido por Baju.
Então escutamos o chamado: “Palhaço, vem cá!”. Voltamos, paramos na porta e ele perguntou: “Vem amanhã?”.
Tudo que um palhaço, ôps, um besteirologista quer ouvir.
Dr. Eu_zébio (Fábio Caio) e Dra. Baju (Juliana de Almeida)
Me transporto para o lugar da narrativa e sinto tanto amor. Gratidão