Já passou o tempo em que era muito estranho ver um palhaço no hospital! Depois de mais de 30 anos de trabalho e pesquisa da associação Doutores da Alegria, a estranheza deu lugar ao pertencimento e cá estamos nós! Estranho mesmo é quando não estamos no hospital!
Com a pandemia, ficamos afastados dos corredores e enfermarias – quer dizer, só viam os palhaços as crianças que queriam olhar na telinha do tablet; a grande maioria das pessoas que estavam no hospital não tinham acesso ao nosso trabalho rotineiro. E sabemos que fizemos falta! Até recentemente, ainda ouvimos: “Ai que bom que vocês voltaram!”. Algumas pessoas verbalizaram que a nossa volta presencial aos hospitais era um sinal de que, finalmente, começava a chegar o clima de normalidade a esse mundo pandêmico!
É realmente muito bom voltar, sabemos da importância da nossa presença. Cada pessoa que está no hospital tem uma função, quem está lá, precisa estar, inclusive para ficar bom e ir logo para casa! O doente é o ator principal, se não tivesse doente não teria hospital, muito menos médico, enfermeiras, técnicas, acompanhantes e tantos outros profissionais que fazem um hospital funcionar. Ah, e o palhaço estaria apenas nos palcos e picadeiros!
Mas, como eu disse, cá estamos no hospital. E, olha, fica difícil passarmos despercebidos! Até mesmo quando queremos nos esconder atrás dos nossos objetos de cena ou quando andamos nos arrastando pelas paredes para que ninguém nos veja. Não tem jeito, todos nos veem. Ainda bem!!!
Foi isso que aconteceu naquele dia: entramos pé ante pé na enfermaria, sem fazer nenhum barulho e, mesmo assim, nos viram! Assim que chegamos lá, Laura nos percebeu. Ela é daquele tipo de criança que esbanja encantamento. Logo que nos viu, seu rosto se iluminou e ela veio correndo em nossa direção dizendo: “Eu gostei de você!”, e foi logo me dando um abraço! Pego assim de surpresa, a gente se desmancha todo!
Dr. Lui fez cara de triste e eu prontamente perguntei: “E ele?”. “Eu gosto muito também!” e abraçou Dr. Lui, deixando-o todo derretido!
– Mãe, quero uma foto!
Dr. Lui me orientou: “Vamos nos abaixar!”. Não é que Laura prontamente se abaixou também? Todos riram por causa disso!
Na semana seguinte, quando chegamos a sua enfermaria, Laura estava deitada. A mãe nos disse que ela sentia dores na barriga. De fato, ela estava deitada com o abdome todo enfaixado, bastante abatida.
Mesmo assim, fomos conversar com ela. Dr. Lui começou a encontrar coisas na cama dela! Um ovo: “Eita!”. Um rato: “Eita!”. Um miolo mole: “EITA!”. E de “eita” em “eita’ ela se sentou na cama.
Perguntamos se ela queria dançar um pouco, a mãe mal acabou de dizer que ela não iria conseguir, mas Laura já estava se remexendo no ritmo da música que a gente tocava. Quando a chamamos pelo nome, ela ficou surpresa, e foi logo dizendo “Eu conheço vocês também! Sabiam né?”.