Lado 1.
Estávamos Dra. Greta Garboreta e eu, Dr. Zequim Bonito, prestes a encerrar nossa rotina de trabalho no Hospital do Grajaú, em São Paulo. Estávamos virando a esquina do último corredor que nos levaria de volta à salinha onde nos desfazemos de nossas personalidades de palhaço para voltarmos a ser gente normal, se é que gente normal existe.
Antes de virar a esquina do último corredor, as moças da recepção pediram uma foto.
Clique, clique, flash e lá estávamos nós registrados em mais um celular. Ou então em uma página de Facebook, onde seremos uma foto compartilhada, curtida, comentada, criticada, ridicularizada, insultada, venerada, ou simplesmente ignorada. E assim a vida segue seu fluxo.
Lado 2.
Depois da foto estávamos, agora sim, prestes a encerrar nossa rotina de trabalho.
– Palhacinho! Palhacinho!, ouvimos de longe.
Vimos logo de cara que a solicitação era de outro teor. Teria sido tão melhor se fosse apenas mais uma foto. Mas não era. A mulher que nos chamava estava aos prantos, saindo desnorteada do elevador, acompanhada por familiares. Todos visivelmente muito abatidos.
Começava ali um daqueles momentos que nos pegam de calça curta. Não era a primeira vez que acontecia. Já vivemos situações parecidas em outros hospitais, com outros familiares, com outros palhaços e, com mais ou menos traquejo, a cada vez que tal situação aconteceu tivemos que lidar com o vazio que invariavelmente ela nos impõe. O indizível vazio que a finitude nos reserva.
– Palhacinho, o meu neto morreu!
Houve um silêncio.
– Palhacinho, o meu neto morreu! O meu neto. Vocês conheceram ele, lembra?
Nós já sabíamos da notícia. Tínhamos estado na UTI no começo do trabalho, antes da chegada dos pais e acompanhantes. Naquela hora, só estavam presentes na UTI os profissionais da equipe de saúde cujos semblantes também estampavam as sequelas do vazio.
O caso do menino era grave. O nome complicado da doença, sua complexidade e agravantes não tinham a menor importância naquele momento. Para aquela avó, ali, agora, só existia o vazio e o mais que justificado descontrole emocional que ele causa, sobretudo quando esse vazio é deixado pela ausência de uma criança.
– Palhacinho, me dá um abraço!
Houve outro silêncio, desconcertante. De repente, diante dessa solicitação concreta, extraída com inacreditável força e nitidez daquele turbilhão de dor, o vazio foi momentaneamente rompido. Com um gesto simples e sincero nosso abraço foi dado, partilhado com aquela avó. Não falamos nada. Nada de que lembramos, pelo menos. Só ouvimos.
– Obrigado, palhacinho.
E depois voltaram os prantos, o turbilhão de dor e, se a vida seguir seu fluxo, o começo do luto.