Em um dos quartos do IMIP, um bebê de mais ou menos dois anos estava sentado na cama com um tablet em mãos. Ele mal conseguia segurar o objeto pesado, mas estava hipnotizado. Chegamos perto para ver qual era a programação.
Tratava-se de um youtuber que ficou famoso por fazer vídeos que tiram sarro de outras pessoas. Na gíria da internet, vídeos de trollagem. Esse moço tem milhares de seguidores e, junto com seus colegas, faz vídeos onde projeta a voz e fala como se estivesse mas-ti-gan-do um chiclete muito duro, deixando as palavras mu-i-to ex-pli-ca-das. Esse moço não economiza nas expressões faciais, como se a criança tivesse dificuldade de entender, caso ele falasse normalmente. Tudo gritado, do início ao fim, beirando a histeria.
Em vários desses vídeos há menção a brinquedos, bonés, camisetas e outros produtos para que as crianças peçam aos pais. O bebê ainda não sabe o que isso quer dizer, mas já está sendo influenciado.
– Tem outro vídeo?, perguntei à mãe.
– É ele que só quer assistir isso, ela respondeu.
Pedi licença, peguei o aparelho e lhe mostrei um vídeo do Palavra Cantada. Escolhi a música “Sambinha da fralda molhada”, uma animação que mostra a mãe e o pai trocando a fralda do bebê com uma música suave, bem gostosa.
O bebê ficou muito interessado e comentava:
– Olha, mamãe! Papai! Fralda! Eita!
Isso me faz refletir sobre a qualidade do que está sendo oferecido aos nossos filhos. Muito mais do que trollagem, acredito que devemos saber o que é pausar, deitar na grama e olhar o céu. Quem sabe observar um formigueiro? Acompanhar o percurso que uma formiga faz quando vai avisar à outra que encontrou alimento. E de como ela dá muitas voltas, cochicha no ouvido das outras e, logo a notícia se espalha, a comida está cercada por um comboio que a carrega.
Também reparar no vento que arrasta as folhas no chão numa coreografia que nem foi ensaiada. Tomar café no fim da tarde enquanto se lê um livro. Perceber que se ficarmos um pouco em silêncio, conseguimos nos ouvir melhor e ouvir o outro, e também, ouvir o nada que, potencialmente, diz tanta coisa.
No silêncio eu lembro que tem sangue correndo nas veias, que o coração acelera e também se acalma. Que dá para sentir a vibração do corpo mesmo quando não estamos em movimento. E não é preciso dizer nada para existir. E mesmo quando não estamos, continuamos ali, em um lugar que não é o desespero de se fazer presente.
Não é constrangedor estar ao lado de alguém e nos calarmos por tempo indeterminado. Não interrompam o silêncio. É preciso dar ouvidos ao que não está sendo dito. Contemplar o vazio. Há beleza no olhar que, sem esforço, olha. E isso é suficiente.
Por mais brincadeiras saudáveis, ao ar livre, rir com o outro e não do outro, sentar no banco da rua e ver a hora passar, ser afetado pelo cachorro que vagueia e para pra te olhar, pelo jovem que ajuda a senhora atravessar a rua, por gargalhadas gostosas de doer a barriga, por músicas de qualidade.
Menos tablets e celulares, mais livros e poesia.