O vazio existe? Tenho a impressão de que não.
No trabalho, nós, palhaços, aprendemos a trabalhar o vazio. É o que acontece muitas vezes na porta de uma Enfermaria, por exemplo, pois não dá pra saber o que está por vir. Cada encontro é único – igual à cada pessoa – e é preciso estar, simplesmente, aberto.
Acontece que isso não é nada fácil. De repente, estamos ali, parados, sem acontecer patavina e todos estão nos olhando, esperando que algo aconteça.
Às vezes, o estímulo vem de dentro da Enfermaria, por meio da criança, de seu acompanhante ou de quem quer que seja que esteja ali naquela hora. Outras vezes, somos nós que levamos alguma proposta. E, outras vezes, aparece o vazio. Ao longo dos treinamentos e da prática, entendemos que esse vazio também faz parte do nosso exercício e é precioso ao trabalho.
É o vazio que nos faz dar espaço às surpresas, ao risco, ao novo. E, por isso mesmo, ele nos dá um pouco de medo porque é como estar de olhos vendados e, ainda assim, dar o próximo passo. Por outro lado, o vazio também nos fortalece, pois vamos ganhando confiança à medida em que nos aventuramos nele. Pode dar tudo errado – e a gente sobrevive. E também pode dar muito certo, e é uma delícia. Nas duas formas, ganhamos.
A questão é que esse vazio não me parece nada oco. Ele tá preenchido de alguma coisa.
Quando não, de algumas coisas. Se ele está ali, está ocupando algum lugar no espaço, ainda que não o vejamos, concorda? Entrar na enfermaria do M. é tudo isso pra mim. Mesmo cada vez mais debilitado, a sua disponibilidade se agiganta diante da minha limitação.
– M., a gente pode tocar uma música pra você?
Ele responde que sim, articulando pouco a sua fala e com um volume que faz o encontro ser ali, bem de pertinho com ele, campo de muita intimidade. Continuo:
– Você quer que a gente toque aquela ou a outra?
– Aquela.
Tocamos uma música e, no fim, ele disse “Miau!”, resposta de grande reflexo para a canção Atirei o pau no gato, mas que muitos se intimidam de dar. Ele não.
Acho que M. tem uns oito anos e, diante dele, me sinto zerada, sem saber fazer nada. Mas cheia de coisa dentro.
Os físicos, astrofísicos e tantos outros sabidos deverão falar de coisas como oxigênio, gases, partículas, etc. Eu, Baju – doutora em Besteirologia – tô falando de algo que não se pode medir. Talvez seja assim: cada um sabe o que carrega no seu vazio.