Certo dia de trabalho no Hospital Geral do Grajaú, estávamos no camarim, Dra. Pamplona, Dra. Guadalupe e eu, Dr. Filipeuto, nos preparando para entrar em atendimento. Nossa sala fica ao lado de um escritório que, geralmente, só é ocupado por equipes e pacientes em dias de notícias não tão boas.
Eu sempre passei por ali e nunca avistei nada e nem ninguém, pensei até que a sala estava desativada. Pois, neste dia, ouvimos um grito profundo seguido de um choro desesperador. Era uma acompanhante que tinha recebido a notícia que sua mãe havia feito a passagem. Nós, os palhaços e palhaças, nos entreolhamos e respiramos fundo.
Os gritos começaram a ficar mais altos seguidos de frases como: – “Eu não aceito!”
Pensei comigo: – “Como eu saio do camarim caracterizado de palhaço e cruzo essa filha em dor?” Devo abraçá-la? Devo ficar na minha? O que pensam minhas companheiras palhaças, que estão no ofício há mais tempo que eu?
Não foi preciso expor meu pensamento. Quando estávamos prontos, saímos para iniciar o nosso trabalho, passamos pela sala e ela já não estava mais lá. Caminhando perto da Recepção encontramos outra acompanhante com olhos vermelhos de tanto chorar, esse já era outro caso, ela veio em nossa direção e chorava olhando pra gente.
Foi então que os 3 ofereceram um abraço. Ela nos abraçou e começou a desaguar de chorar e parecia que se sentia no colo de uma mãe. Ficamos ali em silêncio por volta de uns 3 minutos. Quando o choro acalmou, ela pronunciou as seguintes palavras:
– É muito difícil! Muito Obrigada!
Nos despedimos e seguimos nosso caminho, que agora era um lance de escadas. De repente, de encontro, a gente viu uma estagiária chorando de soluçar. Com certeza nossa vontade era de perguntar o que houve, mas o palhaço age muito no silêncio.
As três figuras se entreolharam e não deu outra, Dra. Guadalupe disse:
– Nós podemos te abraçar?
E não deu outra, nós três abraçamos ela, que agora chorava copiosamente. Entre o choro e uma respirada, ela tentava explicar o que tinha acontecido, algo em torno de questões de autoridade no trabalho, não dá pra saber de fato, pois ela não conseguia completar as frases, mas dava pra perceber que aquilo era desabafo profundo, e que ela estava completamente cansada.
Quando ela conseguiu respirar melhor, depois de passar alguns minutos dentro do abraço, eu, Dr. Filipeuto, propus um exame para relaxamento. Pedi a ela que levantasse os dois braços inspirando e abaixasse. Ela fez o combinado e soltou um leve sorriso. Depois, pedi a ela que flexionasse os joelhos e soltasse o ar, pedi que desse três pulos com uma perna só e, por fim, batesse uma palma.
O exame foi um sucesso, as lágrimas do rosto foram enxugadas e deram a vez para um belo sorriso. Foi então que eu disse:
– “Exame concluído, daqui um abraço!”
Ela abraçou os três e voltou a chorar copiosamente, foi então que eu disse: “Vou precisar repetir o exame”.
Ela sozinha fez a sequência, deu um sorriso e finalizou dizendo:
– “Me sinto muito melhor, obrigado, Doutores”.
Ela seguiu sua descida na escada e nós fomos em direção aos quartos para iniciar o atendimento na ala infantil. Ali, sozinhos pelo caminho, os 3 palhaços se entreolharam e não deu outra. Fizemos um grande abraço coletivo para iniciar o dia.
E a pergunta que fica é:
– O que cabe dentro de um abraço?