Num lugar bastante inusitado, mas totalmente possível, havia um maestro. Este lugar? O corredor de um hospital. E o que fazia o maestro neste lugar? Maestrias, ora essa! A ocasião? Bem, era um dia de trabalho qualquer, mas não tão qualquer assim. Explico: era apenas um dia de trabalho, só que a gente deu uma incrementada para homenagear o carnaval, uma festa que adoramos, mas que o momento ainda não permite. Então, nesse dia, levamos um pouco do gostinho das marchinhas e do frevo que estão no nosso DNA, essencialmente aqui no povo da nossa terra quente chamada Recife.
Desde o começo da pandemia não fazemos o carnaval do nosso jeito, levando o elenco inteiro com o Bloco do Miolinho Mole. Mas fomos em três: uma palhaça e dois palhaços – já estava de bom tamanho. Assim, seguimos nesta formação: Dr. Dud Grud segurando a percussão, eu (Dra. Baju), levando a harmonia no violão, e Dr. Wago sustentando o frevo no pé, ou melhor, nos dedinhos, para ficar tudo pequenininho. Cada encontro fazia desenrolar suas próprias histórias, os nossos atendimentos rotineiros aconteciam, mas no final, tudo acabava no frevinho-dedinho, tudo bem miudinho.
Muito bem caracterizados, seguíamos pelas enfermarias. Eu homenageava o Bloco Vassourinhas, Dud Grud era O Homem da Meia-Noite e Dr. Wago coroou-se como o Rei do Maracatu. Dessa forma, a gente ia encontrando cada criança, família e profissionais do hospital. Acontece que nós não sabíamos o que nos aguardava, afinal, cada encontro é como abrir uma caixa-surpresa. No quinto andar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, fomos surpreendidos pela aparição de um elemento fundamental para qualquer orquestra, por menor que ela seja: o maestro.
Ah, mas não era qualquer maestro, não mesmo! Arrisco afirmar que quem o viu jamais verá outro igual! A primeira (e talvez mais importante) característica dele é que ele é muito grande. Atenção! Eu não estou falando de altura, não é no sentido de comprimento, estou falando do tamanho de dentro, coisa que não pode ser vista nem tocada, mas que é totalmente possível sentir: o espírito.
Sim, esse nosso maestro era tão grande que o seu tamanho não cabia num corpinho de dois anos e meio de idade. O vigor, o desejo, a inocência, a graça, a vibração, o encantamento, tudo isso extrapolava pelos olhos, mãos, gestos e gritos do nosso apaixonante regente.
Indiscutivelmente, um pequeno grande maestro! Imagine a cena: era ele para três palhaços e uma plateia que se formava pelo corredor, completamente encantada com aquele momento.
Por sua vez, Toinho estava intensamente atraído por nós, três figuras “palhacescas” com os seus instrumentos, e nós hipnotizados. Ele era um acontecimento pra todes nós. Olhe, Toinho se apropriou das baquetas de Dr. Dud Grud e, enérgico como um maestro (lógico!), expressava com todo o seu corpo o que deveríamos fazer: cantar e tocar. Quando começávamos a música, nós perdíamos o maestro e ganhávamos um folião. Toinho dançava, pulava e seguia todos os passos da música, tomado por um motor de emoção impressionante e comovente. Contudo, ai de nós se a música acabasse. Ele, tal qual um maestro, retomava o seu posto e ordenava a próxima.
Junto com o nosso grandioso e pequenino maestro, levamos a música pelo corredor até chegarmos em outra enfermaria. Foi a hora de nos despedirmos do nosso condutor, coisa não tão fácil para nenhuma das partes, diga-se de passagem. Toinho se apressou em tentar impedir a nossa ida. Quase chorando, o nosso pequeno maestro pedia para não irmos embora. Como é que se faz nessas horas, gente? Não sabemos, só sei que o dever nos chamava de um lado e, do outro, o coração fica apertado. A carinha que Toinho fazia ganhava fácil de qualquer cachorrinho em porta de churrascaria.
O encontro com Toinho foi um chamado para o presente, um chamado para se entregar e realizar o que se deseja, sem adiar. O tempo de Toinho era para já, assim como a vida é.