Ele não queria outra coisa que não fosse tocar os nossos narizes. Assim, bem objetivamente, era esse o negócio dele. Nada de música, nada de monstrinhos simpáticos em dedoches, nada de qualquer outra coisa.
Quando a gente chegava com uma novidade, ele fazia um gesto de “sai” e já se posicionava pra esticar o dedo e tocar os nossos narizes. Nenhuma outra coisa lhe despertava tanto interesse.
E assim seguia: um pouquinho no nariz de Dr. Eu, um pouquinho no meu. A cada toque, a gente fazia o nariz apitar e isso era o suficiente pra ele dar risada e repetir e repetir e repetir.
A gente tá sempre buscando novas ideias e propostas, é um movimento que faz parte do nosso trabalho e penso que seja basicamente natural ao ser humano, isso de se mover e sair da rotina.
Mas também é bom lembrar que há uma beleza sutil e profunda nas coisas simples, há experiências que nos conectam ao íntimo dos mundos de cada um de nós. Will queria apenas um simples contato: tocar os nossos narizes vermelhos e se divertir com isso.
O que ele não sabe é que essa mera ação trouxe efeitos mais profundos em mim e em Dr. Eu. A gente sempre saía muito realizado da enfermaria de Will só pelo fato dele se satisfazer com o que pode parecer ser tão pouco. As risadas de Will reluziam na gente e, ao final de mais um dia de trabalho, falar dele nos fazia retomar e elaborar as emoções compartilhadas.
Depois de algumas semanas, encontramos um desafio. A equipe multidisciplinar nos avisou que Will estava em isolamento de contato, portanto, só poderíamos entrar em sua enfermaria devidamente paramentados com capote, luvas e máscara (esta última, já permanecíamos usando).
Tudo bem, estamos prontos para entrar, mas como a gente vai fazer com Will? Ele chora se não nos tocar, chora quando vamos embora e se alegra muito ao nos ver pela janela de vidro. No corredor, em frente à enfermaria de Will, a gente conversava:
Dr. Eu – Como é que a gente vai fazer?
Dra. Baju – Nossa!! Vai ser difícil, porque ele vai querer tocar na gente, aí já viu, né?!
Ficamos em suspense por alguns segundos, nos olhando, até uma decisão nos interromper:
– Bora entrar!!
Entramos apreensivos e, pra não ficar nenhum suspense, eu já digo logo que Will já fez menção de nos tocar. Imediatamente, a gente lançou mão da música, mas Will já foi descendo da cama pra vir em nossa direção, aí não teve jeito: a mãe dele o segurou e a gente abreviou o encontro. Ele ficou chorando e a gente saiu frustrado da enfermaria.
“O que vai ser dos próximos encontros?” foi a pergunta que nos atordoou. Não entrar na enfermaria não era uma opção – a gente tinha que dar um jeito.
Na semana seguinte cheguei com algo bem diferente: uma lanterna-projetora com várias imagens de dinossauros. Enquanto nos paramentávamos frente à janela da enfermaria de Will, ele já estava olhando pra gente, ansioso.
Entramos na enfermaria pouco confiantes, mas era preciso apostar. Assim que Will nos convocou para nos aproximarmos da sua cama, eu projetei o dinossauro no teto. Ao ver a imagem surgir, a reação dele superou todas as nossas expectativas.
Will apontou pro teto tão animado, que a gente ria junto de alegria e alívio. Daí em diante, Dr. Eu, todo atrapalhado, tentava pegar os dinossauros.
A cada vez que ele se jogava nas paredes e nas portas, as risadas de Will aumentavam e dobravam de satisfação. Ele dava aquelas gargalhadas que se tremem, em êxtase, arrastando nós dois pra dentro daqueles instantes tão paradoxalmente simples e intensos.
Era isso, apenas isso, o que ele queria. E nada disso é pouco, não é “só isso”. É em encontros como esse que a grandeza da existência se revela diante da gente.
Dra. Baju (Juliana de Almeida) e Dr. Eu_zébio (Fábio Caio)