Uma calçola no hospital! De quem será tamanho infortúnio? Deixaram a peça de roupa íntima jogada no balcão da UTI. A notícia nadou feito vento e circulou mais que liquidificador.
Decidimos provar em todas as pessoas que passavam. Na Dra Ana Helena ficou muito folgada. No Dr. Joselito parecia um maiô. A Dra Clarice nem provou, disse que desconhecia a origem e o sotaque dessa peça de roupa.
Provamos a calçola em todas as crianças. No bebê dormindo parecia um cobertor de lã. Não achamos o dono. Pensamos em levar pra casa e transformá-la em toalha de mesa, em uma cortina, ou até mesmo um paraquedas.
Mas depois lembramos que faltava uma pessoa provar: DONA MARIA!
A raiz do seu cabelo era branca, tinha 65 anos, um metro e meio de altura, negra e sempre estava a organizar uma mochila. Enquanto o seu neto, de aproximadamente quatro anos, soltava tímidos sorrisos de canto de boca com a nossa presença, ela gargalhava que espantava os pombos que pousavam na janela. Parados na porta, dissemos:
– Aqui está a calçola. A senhora é a única que não provou.
O neto esperava a reação da avó. Dona Maria foi logo dizendo:
– Não, não vou provar!
– Vai, vó!, disse o neto.
Vendo toda aquela súplica, Dona Maria vestiu a calçola. TAM TAM TAM TAAAAAAAAAAAAAAAAM!! Analisamos, olhamos, tiramos foto dela vestida de frente e verso e fizemos até selfie, é claro. Dr. Marmelo fez um pronunciamento:
– HUM!!! Bem, como o presente, devemos analisar, em decorrência dos relatos dos achados e perdidos, das circunstâncias dadas, do curto-circuito interno de TV e, em detrimento dos fatos estabelecidos com o ocorrente caso que se avariou sobre os latifúndios, as trocas de plantões subversivas e o capitalismo selvagem… A CALÇOLA É DA DONA MARIA!
Ouviu-se um levante geral: ÔÔÔÔÔÔEEEEEEEEEEEE!!!
Dona Maria desfilou pela enfermaria com a calçola como se fosse um vestido de noiva! E depois de tudo, já na salinha depois do trabalho, concatenando com os nossos botões, víamos claramente uma criança que se mostrava um adulto sério e Dona Maria uma criança sorridente, disponível para o encontro e a brincadeira.
É normal uma criança confiar no adulto. O adulto tem mais experiência, é seu espelho. Mas bom mesmo é o adulto confiar na criança também e se permitir momentos lúdicos e de transformação. Então, se a criança pede…
Dr. Dud Grud e Dr. Marmelo (Eduardo Filho e Marcelo Oliveira)
Hospital da Restauração – Recife