Neste último mês, escolhi destacar duas pequenas histórias que me tocaram. A primeira sobre o pequeno R., um garoto com transtorno do espectro autista e nossa saga para conquistá-lo. A outra história é sobre a menina M., que não estava num dia legal e colocou um aviso na porta de seu quarto.
Pequenas Coisas
R. é um garoto de cinco anos com autismo. A primeira vez que eu e a Doutora Emily o conhecemos, batemos na porta de seu quarto, abrimos devagarinho e o vimos deitado em sua cama segurando um tablet, onde ele assistia algum vídeo sobre dinossauros. Ele adora dinossauros! Notamos também que ele tinha uma porção de brinquedos no sofá ao lado da sua cama.
Perguntamos o que ele estava assistindo no seu tablet, mas ele não desgrudava o olho da telinha e nos ignorou. Tentei mostrar minha galinha de borracha, alegando que ela também era uma espécie de dinossauro, mas ele olhou apenas rapidamente pelo canto dos olhos e voltou ao seu vídeo. Dra. Emily, tentou uma música com seu violão, mas R. nem ligou.
A sua mãe, sempre muito sorridente e simpática, tentava estimular seu filho a interagir conosco, tentou até tirar o tablet dele, mas isso acabava deixando ele um pouco irritado, afinal, era seu programa predileto que estava passando ali na sua telinha. Fomos embora um tanto frustrados.
Voltamos na semana seguinte e tentamos alguma música que sempre era sucesso entre as outras crianças, ali na porta do seu quarto mesmo:
“A dona aranha subiu pela parede
Veio a chuva forte e a derrubou
Já passou a chuva
O sol já vai saindo
E a dona aranha continua subindo”
E o R. continuava nos ignorando. Apenas algumas rápidas olhadelas para a gente e mais nada. Na outra semana, tentei apresentar um fantoche de vaca de borracha – na verdade, um tipo de luvas de forno de cozinha divertida, para tentar chamar a atenção dele – porém, não era nem um pouco mais interessante que seus dinossauros que passavam em sua telinha.
Inúmeras vezes fomos lá tentando alguma coisinha e nada. Chegou um dia que quase desistimos de bater em sua porta, de tão frustrados que estávamos. Na semana passada fomos lá novamente, desta vez ele estava em pé diante do sofá com sua mãe, que tirou o tablet de sua mão, isso o deixou impaciente. R. não reagia bem quando sua mãe fazia isso e sempre pedia o tablet de volta chorando. Então a Dra. Emily decidiu tocar uma música que era mais para nós dois do que para ele:
“Don’t worry about a thing
‘Cause every little thing
Gonna be all right
Singing: Don’t worry about a thing
‘Cause every little thing
Gonna be all right…”
Para a nossa surpresa, ele parou para nos olhar pela primeira vez por mais de alguns minutos, com o mesmo olhar interessado que ele tinha para seus vídeos de dinossauro. Nesse dia saímos com gostinho de vitória de lá.
Ainda ontem voltamos lá novamente, sua mãe logo tirou o tablete de suas mãos, Dra. Emily puxou o violão para cantar “Three Little Birds”, do Bob Marley, e eu peguei meu ganzá em formato de ovo, para acompanhar a canção. O R. ficou atentamente ouvindo a música e olhando para nós dois.
Quando terminamos a canção, meu ganzá foi a última coisa a silenciar, finalizando a música. Então o R. disse em seguida, apontando para a minha mão, “ovo!”. E repetiu “ovo! ovo!” Ele queria brincar com meu ganzá. Imediatamente fui desinfetar o ganzá para emprestar para ele. Ele o agarrou com muito interesse, a Dra. voltou à canção que ele tanto gostava, a mãe do garoto o ajudou a chacoalhar o ganzá no ritmo da música enquanto eu já estava com outro ganzá na mão.
Saímos de lá muito felizes e triunfantes, mais um dia que conquistamos alguma pequena coisa na interação com ele. Algumas evoluções acontecem mais calmamente e minimamente, requer paciência e perseverança. E como diz a canção do Bob Marley “Cause every little thing / Gonna be all right.”, ou traduzindo livremente “Cada pequena coisa / Vai dar certo”.