No dia 17 de março fomos até o Hospital Santa Marcelina, na zona leste de São Paulo, já apreensivos. A organização e outros hospitais onde atuamos já conversavam sobre a suspensão do trabalho durante a pandemia do coronavírus.
Logo na chegada já ouvi:
– O que vocês estão fazendo aqui? O corona vai pegar vocês!
Só olhei e cumprimentei. Por dentro gelei.
Encontrei uma das funcionárias, grande parceira nossa, que contou como estava o ambiente. Uma das irmãs do Santa apareceu, estava bem preocupada. Tínhamos que aguardar uma decisão superior para saber se íamos ou não trabalhar de palhaços naquele dia.
Devido ao tamanho deste hospital, atuamos em quatro artistas – duas duplas em cada roteiro. Avistei o Sandro dobrando a esquina; logo depois chegaram a Paola e a Raíssa. Juntos fomos para a salinha aguardar a decisão. Neste meio tempo dividimos sensações, angústias, dúvidas. Devíamos nos resguardar em casa? Proteger, de um lado, as crianças hospitalizadas e os profissionais de saúde e, do outro, nossos familiares? Mas se fazemos parte da equipe profissional do hospital, não deveríamos estar juntos neste momento?
“Devíamos nos resguardar em casa? Proteger, de um lado, as crianças hospitalizadas e os profissionais de saúde e, do outro, nossos familiares? Mas se fazemos parte da equipe profissional do hospital, não deveríamos estar juntos neste momento?”
Quando a salinha pareceu pequena para nossas aflições, abrimos a porta e nos dirigimos à lanchonete do saguão. Tomamos um “banho” de álcool gel, sentamos um pouco perto, um pouco distante. Coloca a mão na mesa, tira a mão da mesa, coloca a mão no rosto, tira a mão do rosto… Ninguém conseguiu tomar café, mas tomamos a nossa decisão.
Existia uma tensão pairando no ar. Em outros tempos, a arte do palhaço seria uma potente força de distensão do ambiente, mas definitivamente não havia espaço para palhaçada naquele dia.
Voltamos para pegar nossas coisas sem saber quando seria a volta. Jalecos, instrumentos musicais, cacarecos, figurinos. O silêncio apertado na garganta contracenava com o ruído dos armários de ferro da salinha. Na despedida, passamos no balcão de Enfermagem e, muito mais do que palavras, dividimos olhares solidários com aquelas e aqueles profissionais que ficariam na linha de frente por todos nós.
Nosso profundo respeito a esses profissionais e, como costumamos dizer, força na peruca.
Nota da editora: Seguindo as orientações oficiais dos órgãos governamentais em relação à pandemia do COVID-19, a associação Doutores da Alegria suspende parte de suas atividades. Embora nossos artistas mantenham uma rotina de prevenção e de higiene, diante da complexidade e do ineditismo da pandemia, reconhecemos a necessidade de nos afastarmos e evitarmos a progressão do contágio dentro do SUS. Reiteramos nosso compromisso com a saúde pública, neste momento crítico e delicado, e especialmente com os profissionais dos hospitais, a quem homenageamos pela sua dedicação.