Quetamina & Midazolan, nome de dois medicamentos. Foi assim que fomos tratados pela equipe da UTI depois de termos acalmado, ao som de canto e violão, a pequenina e irritadíssima M.
Não é para menos: ela estava toda furada e conectada com fios ao longo do seu pequeno corpo. Médicos e enfermeiras tentavam concluir um procedimento enquanto a criança se debatia (ou se defendia, se preferirmos) diante de tamanho incômodo e dor.
Nós não fizemos nada de novo. Apenas tocamos e, com isso, talvez tenhamos oferecido um contraste ou uma alternativa dissonante do que reinava no ambiente naquele momento. Como disse, nada de novo.
Mas a cada vez que esse contraste resulta em uma reação positiva, voltamos a concluir que há realmente algo de potente nessa manifestação super antiga do ser humano chamada arte.
Em outro quarto, o contraste foi oferecido de uma paciente a outra. G., com seus 11 anos, vendo sua pequena colega de quarto abatida e ressabiada diante da dupla de palhaços, regeu a interação de cabo a rabo.
– Toquem uma música aí, por favor.
(tocamos)
– Não, uma mais animada.
(tocamos outra)
– Mais suave, palhaços.
(mudamos o ritmo)
– Essa tá ótima!
Então G. puxou a colega de quarto, que tinha a metade de sua altura, e delicadamente fez uma sequência de passos de dança, aos quais a coleguinha respondeu e embarcou com total engajamento. Foram vários minutos de giros, piruetas, abraços, conduções de um extremo bom gosto e cuidado.
Novamente não fizemos nada de novo… Ou talvez sim.
Reaprendemos a observar, a servir, a simplesmente acompanhar musicalmente o protagonismo de duas crianças que, em profunda solidariedade, transformaram, por alguns instantes, o corredor do hospital em salão de baile sincero, amoroso e comovente para os pais e demais presentes.
Dr. Zequim Bonito (Nereu Afonso)
Hospital Geral do Grajaú – São Paulo