Quando comecei os plantões no Instituto da Criança, não fazia ideia de quem eu iria encontrar. Ali na Pediatria. Bem do lado esquerdo da enfermaria. 6º andar.
Foi ali, bem pertinho do leito número 6, que encontrei alguém eu mesmo, euzinho, 27 anos depois, no mesmo lugar. Explico: nasci com alguns defeitos de fabricação e, depois de muitos diagnósticos, família me levando pra lá e pra cá, foi no ICr que descobriram o que eu tinha e acabei pousando naquele andar.
Fiquei internado ali dos 4 aos 6 anos. Apertei uns parafusos, fiz troca de óleo e tudo o mais. E só depois de três cirurgias na rebimboca da parafuseta é que a manutenção foi concluída. Sobrevivi com saúde e fui aproveitar a vida!
O meu carinho por este hospital é muito grande e é impressionante porque parece que tudo está no mesmo lugar. O meu berço ainda está lá, o porta-soro que eu olhava o soro pingar, a janela pela qual eu observava a rua e contava os carros como uma forma de brincar. As mesinhas em frente ao balcão de Enfermagem também estão lá. As crianças desenhando, sentadas como eu desenhava, brincando umas com as outras como eu brincava e, às vezes, chorando com medo de injeção como eu chorava.
Relembrei muitas coisas trabalhando e observando o que acontece no hospital, principalmente na relação dos profissionais com os pacientes.
O Dr. Artur
Esse relato, de 27 anos atrás, se repete todos os dias em vários hospitais. Mesmo em meio a uma rotina de muito trabalho e sobrecarga, vi vários momentos de afeto. Lembrei do dia em que minha mãe não pôde me visitar. Era um tempo em que os acompanhantes não podiam ficar 24 horas no hospital e chorei muito, sentindo a falta dela no horário de visitas. Daí veio o carinho de uma enfermeira.
Lembrei também do medo que senti quando ouvi o médico dizer para minha mãe:
– Dona Sonia, vamos ter que fazer mais uma cirurgia…
Fiquei desesperado, afinal, já era a terceira cirurgia e o problema não se resolvia. Comecei a chorar e, ao ver minha preocupação, o médico me confortou dizendo para eu ficar calmo, pois ele faria o possível para me deixar bom e ir logo para casa brincar. Me senti aliviado.
O nome do médico é Dr. Artur. Lembro como se fosse hoje dos seus óculos pretos, suas orelhas grandes. Eu já o procurei por todo hospital: na cirurgia, no ambulatório, até debaixo do colchão, mas me contaram que ele se aposentou há muitos anos. E ninguém tem mais notícias. Alguém viu ele por aí?
Pois bem, Dr.Artur, espero que este agradecimento chegue até você onde quer que esteja. Obrigado por ter acertado na cirurgia. Por ter brincado comigo. Tudo isso ficou em mim. Hoje sou um besteirologista inspirado por estas memórias.
Tudo o que vivi nesse tempo ficou em mim e de alguma maneira me tornou um Doutor da Alegria. Sou muito grato por poder realizar este trabalho em parceria com profissionais que dedicam suas vidas a cuidar de outras vidas. Muito obrigado Instituto da Criança, muito obrigado Dr. Artur.