Acredito que “todo mundo” saiba que o trabalho de Doutores da Alegria é pautado nos encontros. É no olhar, na escuta e na relação que tudo tem início.
A caminho do quarto andar, no início do dia de trabalho, temos o costume de ir de escadas para irmos “aquecendo” o jogo com as pessoas que encontramos. Sim, nós assumimos o papel de jogadores quando estabelecemos um encontro com alguém e dali se pode potencializar uma energia de transformação no hospital.
Foi assim que descobrimos a salinha de espera do terceiro andar, um espaço em que normalmente não atendemos, pois é uma ala de hemodiálise adulta. Mas lá encontramos e conhecemos o Sr. Arlindo, um senhor de aproximadamente 70 anos que acompanha sua esposa no tratamento.
Certo dia quando chegamos, a gente já vinha cantando um coco de roda, eu, Dr. Dud Grud, tocando meu pandeiro; e o Dr. Lui, seu triângulo de estimação. Quando a gente parou pra dar um bom dia pra todos ali, o Sr. Arlindo pediu pra ver o meu pandeiro.
Perguntei: “O senhor toca?”. Ele respondeu: “Sim, vamos levar uma modinha?”. Nem pensei duas vezes: “Só se for agora! Vamo, Lui? Bora!”. Entreguei o pandeiro pro Sr. Arlindo e ele perguntou: “E você?”, sondando se eu não iria tocar nada.
Ele não sabia que, como bom ritmologista seringafônico que sou, puxei outros instrumentos: minhas seringas musicais, uma de 10ml e outra de 100ml, pra surpresa do Sr. Arlindo.
Pra começar o ultrassom, ele mandou a música “Toalha de mesa”, do Noite Ilustrada, um clássico do samba nacional. Pra quem não lembra aqui, agora, neste momento, com certeza você que está lendo este relatório certamente irá lembrará em uma estrofe:
“ Jurei não amar ninguém
Mas você veio chegando
E eu fui chegando também
Daí seu olhar no meu olhar
Depois sua mão na minha mão
Na toalha de mesa num bar”
Engraçado que a música que o Sr. Arlindo puxou tem tudo a ver sobre como o nosso encontro aconteceu, nossa conexão. Só não foi numa mesa de bar.
Ao final da música, surgiram aplausos dignos de plateia de um teatro, que é bem como se colocam os assentos naquela sala de espera. Os olhos do Sr. Arlindo brilhavam mais que o anel de ouro 18 quilates. A partir daí a gente já se encontrava mais que aquecidos pra iniciar nosso dia de trabalho com as crianças. Que prazer e satisfação foi esse encontro!
E desse vieram muitos outros, pois todos os dias de trabalho a gente se encontra pra esse aquecimento matinal. O melhor foi a gente saber depois do próprio do Sr. Arlindo sobre o quão esses encontros foram importantes pra ele enquanto esperava com angústia por um tratamento tão complicado para sua esposa. Ele já ficava na expectativa de viver esse encontro conosco duas vezes por semana.
E a surpresa maior pra gente foi no dia da apresentação da nossa “Presepada de São João”, nosso espetáculo junino apresentado no auditório do primeiro andar. O Sr. Arlindo estava na primeira fila com os olhos brilhantes, vivendo intensamente mais um encontro conosco. Ele sempre esteve presente acompanhando sua esposa nesse processo.
“Se é do mar? Marlindo.
Se é do ar? Arlindo”.
É assim que agora – com mais intimidade – a gente dá o bom dia pra ele, sempre retribuído com um incrível brilho nos olhos e um convite para um bom samba ou um bom forró.
Dr. Dud Grud (Eduardo Filho) e Dr. Lui (Luciano Pontes)