Essa vida de besteirologista é muito louca.
Em um dos quartos, sou um super-heroi com poderes. Em outro, sou um dinossauro mais bravo que tiranossauro, mais rápido que o velociraptor. Também já fui mágico, ilusionista e hipnólogo, que consegue hipnotizar a si mesmo. E no corredor sempre tocamos músicas! Já fui rei do pop, rei do rock, rei do baião, rei da lambaerobica…
Com os seguranças do hospital vem sempre um assunto à tona: futebol! Meu time que ganhou desse, perdeu daquele, empatou com o outro roubou e foi roubado. Enfim, caiu na rede é peixe e deixe a mãe do juiz em paz! Com a equipe médica o assunto é mais requintado: sempre demonstro meus conhecimentos linguísticos, falando francês para as residentes. Abajur, sutian, croissant, mon bijou, mon amour, baguete, crepe suzette, tudo com o biquinho francês. Eu sou exibido! Uh lala uh lala!
Falamos sobre tudo! De assuntos triviais a assuntos mais complexos, como religião. Dizem que esses assuntos não se discutem, mas eu discuto, porque gosto de discutir.
Dia desses eu e Dr. Dus’Cuais, minha dupla, perguntamos a uma mãe de onde ela tinha tirado o nome da criança. A resposta: da Bíblia. Dus’Cuais matou a charada:
– Ah, eu conheço! É aquele livro dos nomes, né? Quando tiver filho, vou colocar um nome da Bíblia!
– Qual?, perguntou a mãe.
– Versículo!
Eu interrompi a conversa.
– Eu também vou colocar no meu filho um nome que vem da Bíblia.
– Qual?, perguntou novamente a mãe.
– Corintios. E se for menina, Corinthians! E quando ela estiver atrasada pra escola, eu grito: VAI CORINTHIANS!
Entre portas e corredores, enfermarias e UTIs, quartos e berçários, a gente vive um mundo novo, a ser explorado com total liberdade de ser quem quisermos ser. Meu trabalho é ter espírito de criança, com liberdade, que acho ser a maior qualidade da infância.
Ser adulto e poder trabalhar com crianças me ensina muito! E ensina a ser um besteirologista melhor! Obrigado crianças, por serem crianças.
Dr. Chicô Batavô (Nilson Domingues)
Hospital do Mandaqui – São Paulo