Outro dia fui ver um espetáculo que dizia que a gente está sempre esperando que nossa vida comece.
Tenho perguntado quando irá acontecer algo extraordinário para que, de fato, nossa vida comece. Lembrei-me da dieta, que enquanto houver segunda-feira, ela será adiada. De me imaginar magra, fazendo par romântico com Cauã Reymond, protagonizando a próxima novela das 21h. Aí sim, a vida começaria e eu seria finalmente feliz.
O cenário perfeito para compor essa imaginação seria na esteira da academia, mas como só estou imaginando e “minha vida ainda não começou”, me imagino sentada no sofá, comendo uma caixa de chocolate e sendo mais ou menos feliz por isso.
O trabalho de palhaça no hospital me tira do “horário nobre”.
Começo às 9h30 da manhã, dando bom dia ao porteiro. Sem holofotes, sem filtro. Com uma realidade escancarada. Vendo gente de perto, gente queimada na maca, idoso sem acompanhante, dor, choro, medicamento, atadura, seringa, feridas nos feridos, feridos nas feridas. Por outro lado, no mesmo espaço, também encontramos poesia.
E enquanto eu espero que minha vida comece, uma paciente de aproximadamente 4 anos surge no corredor com uma euforia que chega antes das pernas. Tem olhos sorridentes e apertadinhos e um sorriso que, de tão largo, dá volta no rosto e abraça sem precisar de abraço. Adora quando a gente toca uma música e, de súbito, para. Ela sabe que é hora de congelar e virar estátua. Ela dança e, na hora certa, abre os braços fazendo pose.
Outro pequeno paciente, de uns dois anos, tem olhos arregalados e curiosos. Um sorriso que ora se mostra e ora se esconde. Assim que escuta a gente, ele arregala os olhos, dá uns pulinhos, corre para o colo da mãe e espera que a gente se aproxime. Gosta de estourar bolhas e dançar. Ah, também dá canja tocando percussão na nossa banda.
Os dois têm o dom de hipnotizar qualquer besteirologista. Os dois têm o dom de iluminar os dias. Os dois têm o dom de fazer lembrar que a vida já começou desde o começo.
E que extraordinário é perceber isso.