Você já viu algum bichinho do mato por aí? Não é de jaguatirica, cachorro-do-mato, capivara e outros bichos do mato de verdade que eu tô falando. É que, muitas vezes, é comum ouvir a expressão “Fulano parece um bicho do mato!”, referindo-se à pessoa que prefere ficar mais quietinha, escondida, tal qual um bicho do mato.
A gente, aqui da besteirologia, também se depara com algumas pessoas (grandes e pequenas) que, diante do que lhes parece ser uma ameaça, só querem se proteger. Uma resposta como essa requer um pouco mais de apuro, interesse e, cada vez mais, eu me sinto convidada a desenvolver ferramentas que colaboram para uma melhor comunicação com pessoas delicadas e sensíveis.
Para começar, a primeira coisa que me vem à cabeça é se a comparação é devida. Não sou dona da resposta, mas eu ando bem desconfiada do que sempre esteve por trás da intenção, sabe? Mesmo atribuindo um tom carinhoso, ela me parece querer encobrir o incômodo despertado pelos diferentes. Explico: se uma pessoa não corresponde ao que a sociedade dita como “normal”, logo, essa pessoa é rotulada, sendo sempre destacada das demais por causa daquelas características, entende? Aí, você pode até me dizer: “Ah, mas sempre foi assim, desde que o mundo é mundo”. Só que não assinamos, em canto algum, um compromisso de nos mantermos estagnados no mesmo lugar.
Foi aí que eu vi que o meu afeto poderia ser excludente. Mesmo que eu não tenha me dirigido diretamente a alguém como “bichinho do mato”, eu já me referi assim sobre alguma criança para outras pessoas, perpetuando essa ideia reducionista.
Este relatório, por exemplo, iria falar de uma menina tímida, mesmo com profundo interesse em nós. Só que, adivinha?! Assim que lembrei dela, e do quanto a nossa relação cresceu dentro de alguns meses no hospital, percebi que a comparação foi imediata. Resolvi parar e compartilhar essa reflexão com vocês. Você já imaginou o que é estar na pele de alguém muito tímido e ser rotulado de “bicho do mato”? Bem, pode apostar que as chances de que uma pessoa que passa por isso se recolha são muito grandes e, então, eis que a possibilidade de uma interação desce pelo ralo.
No hospital, vemos muitos tipos de crianças e eu sinto que resumir alguém a um rótulo talvez tire da gente o que de fato é o nosso trabalho na vida: a curiosidade de investigar qual é a linguagem que acessa cada ser. Somos todos muito complexos e rótulos são simplistas demais para quem deseja, realmente, se relacionar.