Quem anda pelo hospital sabe que Nina Rosa e Juca Pinduca vestem máscaras hospitalares feito chapéu em suas cabeças, guardam instrumentos musicais em seus jalecos e vestem um nariz vermelho que chega sempre antes delas. Enfim, coisas de palhaços. São as nossas cartas na manga para criar ficções, modificar a realidade dos espaços, das coisas e das relações.
Há nisso certa esquizofrenia. Caminhamos como se estivéssemos em cima de um muro entre o real e o imaginário, pois em nenhum momento podemos nos desgrudar da realidade que nos cerca, que nos dá o alimento e a inspiração para as cenas que criamos ali na hora, tendo como companheiros de atuação os médicos, as enfermeiras, as crianças; e como cenário as camas e os portas soros.
Creio que não somente eu, como muito dos meus colegas palhaços brincam com suas verdades. Mas nestes meses vivi uma nova experiência: a da realidade que nos invade. Estou grávida de 5 meses e tenho algo além do nariz vermelho que chega e já é logo notada: a barriga.
Essa realidade está aí e é inegável. Por mais que brinquemos, por mais que tragamos para o fato grandes absurdos como “se nascer daqui a um mês é uma calopsita, se demorar mais 3 meses é gente, agora se demorar mais uns 6 meses é uma anta!”, por mais que o irreal brinque com o real, as mães, enfermeiras e médicos sabem que ali há um serzinho que precisa e precisará de cuidados, que mais do que qualquer outro tem precauções para entrar em quartos, pois há riscos maiores.
Dia desses não pude entrar na UTI Infantil. Suspeita de catapora. Dra. Juca entrou junto com sua única companheira – a sua sanfona -, enquanto eu fiquei sentada junto a três mães, duas muito jovens e uma terceira talvez poucos anos mais velha que eu.
– Nossa, palhaça, você está grávida?, pergunta uma delas.
– Sim, respondo.
– É menina ou menino?
– Menina!
– E como vai se chamar?
– Estou dividida entre ‘Amoxilina’ ou ‘Tamiflu’, respondi.
Elas riem e contam sobre nomes e suas gestações, numa bagunça típica de salão de manicure. As duas mais novas vão embora, Dra Juca sai da UTI, e vamos preparando para seguir para outras alas. A outra mamãe, que permanece sentada, me pergunta sorrindo:
– Posso colocar a mão na sua barriga, Nina?
Sem muita alternativa em casos assim, eu deixo. Então a realidade vem e nos invade. Invade à ela, que abraça minha barriga e chora; invade a mim, que escuta o palhaço pedir licença, meio sem graça acolhendo o abraço, as lágrimas, e aquela conversa sem palavras…
Ainda não sou mãe de fato, apenas uma gestante de primeira viagem entendendo a vida dentro de mim, mas naquele momento nada precisou ser dito. Eu sentia, de mãe pra mãe, toda a gestação dela em mim, toda a alegria dela quando esteve grávida, toda essa espera que passamos. E agora toda a trajetória de sua gestação até aquele momento sentada nas cadeiras de uma UTI voltando à espera… A esperança.
– Tudo vai ficar bem, digo. E ela devolve dizendo que só deseja saúde ao serzinho que virá.
Dra Juca, observando de início sem entender, passa a procurar alguma planta para poder regar com as lágrimas e não desperdiçar as gotinhas de água que caem dos olhos. E a ficção vem e transborda no sorriso da mãe!
Nós, que subvertemos a realidade o tempo todo, não estamos nunca preparados para a realidade que por vezes nos subverte, nos invade; mas ali o palhaço também mora. Ali entra a imaginação e a realidade – entre o que é humano e dói e entre o absurdo de imaginar lágrimas regando flores.