Antes de trabalhar na Doutores da Alegria, eu enxergava o hospital com certo distanciamento. Decidi criar na minha cabeça uma inacessibilidade àquele espaço de paredes frias e branco gelo.
Olhando de fora me causava mistério, temor. Um ambiente paradoxal. Por dentro, além das feridas, ficava tudo muito exposto. Realidade pura e escancarada. Lugar de isolamento, solidão, sofrimento, de poucas palavras. Lugar onde talvez só se ouvisse gemidos, socorro, choro, soro, esparadrapos, remédios, sondas, gazes, procedimentos, dor, gritos, lamentos.
À noite me parecia ser de um silêncio escandaloso.
Ao fundo, sons de instrumentos tilintando na bandeja de aço inox. Passos desapressados de pés cansados. No corredor uma luz branca forte, insistente. Corpos cansados buscando apoio em paredes de concreto. Outros que não suportam e desabam sua dor.
Nos quartos, uma luz pálida, triste, iluminando com timidez pacientes com olhos fixos em um ponto qualquer, transportando a imaginação para outro lugar. Memórias, saudade. O som das máquinas me traz de volta. Os olhos já acostumados da paisagem se fecham e continuam sonhando por detrás das pálpebras.
A primeira impressão é mesmo a que fica? De longe, a primeira impressão é de uma instituição que cuida da doença. Acompanhando de perto a rotina desse lugar, que antes me causava incômodo, trago outras impressões.
Hoje o hospital é onde vivencio e aprendo as experiências mais incríveis e bonitas da minha vida. É onde acesso toda potência de estar perto da vulnerabilidade humana. Foi onde eu comecei a perceber o outro por trás das camadas da pele. Onde eu sei que quando aprofundo encontro ossos e sangue que corre nas veias.
É nesse fluxo contínuo que me interessa a vida. Por ter olhado de novo e mais uma vez, por ter conhecido pessoas que diariamente agradecem por simplesmente estarem vivas. Onde a felicidade não é o carro novo, e sim não precisar mais de uma máquina para respirar ou sair da UTI para a enfermaria, onde ver o filho que está doente acordar mais um dia e poder abraçá-lo é o suficiente para encher o coração de esperança.
Reescrevo então, as minhas segundas impressões.
O hospital é uma instituição que cuida de pessoas. Lugar de acolhimento, escuta, cuidado, respeito, profissionais dedicados, pessoas que se fortalecem com o outro. Amizade, alma, cumplicidade. Riso, palhaço, brincadeira, arte. Perspectiva, força, fé.
Onde além de gemidos também se ouve: “Como é que você está?”, “Vamos passear um pouco pelo corredor, esticar as pernas, tomar um sol?”, “Eu estou ao seu lado.” E… “vai passar!”.