Sempre me chamou a atenção, quando estou caracterizado de palhaço no hospital, que as pessoas venham me pedir informação. “Você sabe onde fica o quarto 415 da ortopedia?” Por que, entre tantas pessoas competentes no ambiente que podem dar informações corretas, as pessoas escolhem justamente o palhaço?
Penso que reis e rainhas se aconselhavam com os bobos da corte antigamente. Os palhaços têm uma função que não sabemos exatamente qual é, mas com certeza tem a ver com abrir algumas “portas”, seja para entradas ou para saídas.
Convidamos as pessoas a rirem de si mesmas, a vibrarem com as estripulias de uma pulga invisível, a se emocionarem com uma música.
Nesse mês, em nossas visitas virtuais, conhecemos o “Jota”. Menino tímido, educado e doce. Jota tem 15 anos e sempre nos recebeu muito bem. Digo isso porque nem todo adolescente gosta de palhaços no primeiro encontro.
Interagimos umas seis ou sete vezes. Tivemos dias de ultrassom com músicas de todos os tipos, campeonatos de piadas sem graça, exames de pum encravado, regurgitamento de sapo engolido de revestréis, até que chegou o dia de sua alta.
O momento da despedida é sempre paradoxal. Claro que queremos que a criança saia do hospital e volte para casa, mas ao mesmo tempo bate uma saudade porque pode ser que nunca mais nos vejamos.
O encontro de um palhaço com uma criança é de uma intimidade maior do que parece, pois mesmo sendo breve, basta que os olhos se encontrem para que ambos se reconheçam um no outro! Isso tudo pra explicar o que disse no começo: abrir portas!
Fomos fazer um check-up final para ver se Jota merecia aquela alta. Repetimos alguns dos nossos exames, Dra Manela chorou porque ia sentir saudades e eu tentei descobrir o endereço para visitar o Jota na hora das refeições. Botamos uma música e, aqui do outro lado do tablet, começamos a dançar.
Jota foi se soltando e em seu rosto foi desabrochando um sorriso inusitado, uma disposição corporal diferente que contagiou todos que estavam no quarto. O olhar das pessoas, hipnotizadas pelo menino, e a alegria dele nos mostravam que naquele momento havíamos aberto uma porta.
Então me despedi como sempre faço quando as crianças recebem alta: “Seja bem ido e não volte sempre!”. Depois disso, ficamos sabendo que ele nunca havia dançado antes.
Jota, esperamos que você nunca pare de dançar!