Assim como a vida do lado de fora, a vida dentro de um hospital é repleta de pequenas tragédias.
Uma médica conta que certa vez dois vizinhos, amigos, brigaram e um deles deu um tiro no outro. Foi levado ao pronto socorro. Pouco depois o outro vizinho também chegou ao hospital, pois tinha ficado nervoso e enfartou. Os dois passaram um bom tempo na emergência, um ao lado do outro.
Na Grécia Antiga, as tragédias eram textos teatrais que nasciam das paixões humanas. Eram capazes de transmitir ao público as sensações vividas pelas personagens.
Uma agulha que não encontra a veia, a despedida de um colega de quarto, uma criança enfrentando doença de gente grande. Somos capazes de sentir na pele.
Para um palhaço, as pequenas tragédias entram como alimento nos motores da criação, do improviso. Ele tem plena abertura para o que chega. Tudo o que acontece à volta do palhaço é considerado por ele, tudo pode ser ressignificado. As dificuldades são reconhecidas, transpostas e transformadas – nada é minimizado. E é com esse estado de espírito que o trabalho flui, trazendo contornos à realidade do hospital.
Mas também há tragédias grandes. Tragédias que vêm do lado de fora.
Anas al-Basha era um sírio de 24 anos que atuava como palhaço em Aleppo. Ele era voluntário da organização não governamental síria Space of Hope e se apresentava para as crianças em meio ao cerco da cidade. Foi morto num ataque aéreo.
“Ele se recusou a sair da cidade para continuar o trabalho como voluntário para ajudar os civis, dar presentes e esperança às crianças”, escreveu Mahmoud al-Basha, irmão de Anas. Assim como milhares de palhaços em zonas de conflito, Anas fazia da tragédia seu alimento. E, infelizmente, por ela foi consumido.
Nos últimos dias temos visto cenas e pedidos de socorro de crianças desta guerra. Sem muito poder fazer, a não ser clamar por uma decisão política que suspenda o reforço bélico das tropas, sentimos na pele.
Sentimos muito. E seguimos enfrentando, munidos de arte e humanidade, as pequenas tragédias do dia a dia.