Antes de encontrá-lo pela primeira vez na internação da Urologia, recebemos a instrução da enfermeira:
– Temos um paciente que tem muito medo de palhaço.
Quando nos aproximávamos da porta do quarto do N., a mãe fechava as cortinas do leito rapidamente. Alertou:
– Ele não pode ver vocês, nem mesmo escutar a voz.
Diante tamanho impedimento, decidimos recuar. Na visita seguinte, N. dormia e pudemos conversar com sua mãe mais tranquilamente. Foi então que ela nos contou que eles eram de Angola e que o filho nunca tinha visto um palhaço antes. O primeiro contato tinha sido ali, na Urologia do Instituto da Criança. Contou também que sua reação tinha sido de espanto total e que desde então não suportava a nossa presença.
Eu, dra. Guadalupe, fiquei particularmente envolvida por essa história. Pensava na mãe que nos recebia tão bem, com aquele sorriso radiante no rosto. Queria descobrir uma maneira de reverter o quadro, de nos aproximarmos do garoto sem lhe causar nenhum trauma.
Outro dia, durante uma visita à Urologia, a mãe do N. apareceu atrás da porta do quarto, com o filho no colo. Podíamos nos ver através do vidro, mas só ela nos via. A minha parceira, dra. Pororoca, pegou sua caixinha de música e começou a tocá-la , encostada à porta. Não víamos o garoto, mas sabíamos que ele estava bem ali, do outro lado. A música acabou e nos retiramos para atender às outras crianças.
Estávamos indo embora, nos despedindo das enfermeiras e pacientes, tocando um samba animado. Quando olhamos para o corredor, N. estava no colo de sua mãe, ambos do lado de fora do quarto, nos observando.
Ele se sentia calmo e seguro, mandou beijos e acenou. Puxa, foi uma grande vitória!
Na próxima visita, mais um passo. Quando ele viu os besteirologistas, chorou e correu para o quarto. Mas na saída até conversou à distância. Depois, enquanto tocávamos a caixinha de música do lado de fora da porta, víamos sua mãozinha tentando pegar o passarinho que a Pororoca segurava no dedo.
Em nosso último encontro, a mãe estava sozinha no quarto, aguardando o filho voltar da cirurgia. Quando voltasse, teriam alta e voltariam para Angola. Pedimos para ir em sua mala pois queríamos muito conhecer o seu país, mas não foi possível! O jeito foi viajar dentro do celular, em forma de fotografia.
Para N. deixamos nosso receituário com uma foto e uma receita médica para memória: que guarde uma boa lembrança de nós e que ficaremos com saudades!
Dra. Guadalupe (Tereza Gontijo) e dra. Pororoca (Layla Ruiz)
Instituto da Criança – São Paulo