Duas vezes por semana, na atmosfera esfumaçada e silenciosa daquele lugar, um concerto inesperado lança aos ares um som de perplexidade. De um lado, a Dra. Baju dedilha uma melodia suave no violão, enquanto eu, o Dr. Wago, marco o compasso da canção com o meu triângulo entusiasmado.
Nossa presença ali já não é incomum. Chova ou faça sol, sempre visitamos as sete crianças que repousam em seus leitos fofinhos como nuvens na UTI pediátrica do 4º andar do Hospital da Restauração.
Nas segundas-feiras, trazemos notícias do tempo. O final de semana sempre passa rápido demais, não é? O tempo tem esse jeito curioso de nos deixar perplexos, passando tão depressa que, quando percebemos, já passou e ficamos passados. Lá fora, o céu está azul, colorido por chumaços brancos feito algodão doce. Cantávamos baixinho, sussurrando a cada criança sobre o tempo: “O céu tá azul… O céu tá azul… o Celta azul. Azul. Azul. Azul.”
Uma semana se passou desde o nosso primeiro encontro naquele lugar, quando fomos surpreendidos com um presente dos deuses e deusas.
Ganhamos, a Dra. Baju e eu, um pequeno-grande amuleto feito à nossa imagem e semelhança. Eram miniaturas nossas feitas por mãos habilidosas: mãos de mãe.
Mãos que acariciam, que tocam e curam e que fazem, pelo menos por um instante, esquecer a dor. Mãos que afagam e que esculpem com delicadeza toda ternura, afeto e compaixão que estão dentro de si mesma, mas que foram despertadas pelo inesperado.
A perplexidade surge quando alguma coisa impossível acontece e a gente volta a acreditar que, no mundo, ainda tem muito espaço para a magia e para o desconhecido.
Descobrimos que todas as crianças da enfermaria também tinham o seu amuleto feito pelas mãos habilidosas da mãe de Yago. Um gesto que trazia alegria e orgulho para quem exibia suas miniaturas numa sensação de que se podia amar ser quem se é e fazer o que se faz. Ficamos perplexos quando percebemos que estávamos rodeados de coisas fascinantes.
Maior surpresa foi saber que outras mães encomendaram nossas miniaturas para nos levarem pra casa, como um trevo-quatro-folhas que dá sorte ou que marca momentos de esperança e alegria. Foi assim que elas nos botaram no bolso e nos fizeram ver os presentes que a vida nos oferece a cada dia.
Dr. Wago Ninguém (Wagner Montenegro) e Dra. Baju (Juliana de Almeida)