O ambiente, às vezes, parece uma floresta ao entardecer, cheia de sons estranhos que anunciam a chegada da noite. Luzes coloridas das máquinas pontuam um tom suave que beira uma penumbra parecida com o fim da tarde.
Lá, todas as horas do dia têm a mesma cor, isso quase não muda, e bem no final do lado oposto da porta de entrada está o leito de Otacílio. Ele, com seus lindos olhos esverdeados, como se fossem dois faróis iluminando o final de um túnel escuro, traz consigo o sorriso silencioso que conversa com os palhaços num jogo de cumplicidade.
A criança segue os movimentos dos besteirologistas dentro daquela pequena floresta chamada UTI, no Hospital da Restauração, no Recife. Todas às segundas e quartas-feiras, os palhaços se entregam à aventura de desbravar o mundo imaginário espelhado pelo olhar de Otacílio.
Certa vez, Marmelo e Micolino, com suas ventas vermelhas, foram bater um papo com a criança. Ela já mora na UTI faz um tempo, sua cama tem cara de carinho de mãe, cheiro de pai e mimo de vó. Seu maior passatempo e maior concorrente dos dois palhaços é o tablet ligado quase o tempo toda à sua frente. Nesse dia, o que os dois Doutores da Alegria queriam saber era se Otacílio tinha visto o vagalume do Dr. Marmelo:
– Otacílio, você viu meu vagalume? – perguntou Marmelo.
A criança de aproximadamente 6 anos balançou a cabeça dizendo que não e voltou para seu tablet. Sua cabeça, seus braços e seu olhar são as partes do corpo que ele utiliza para se comunicar com os besteirologistas. Eles nunca ouviram a voz da criança.
– Licença, Otacílio – insistiu Marmelo – é que eu crio um vagalume e ele estava no meu bolso e…
– Ah, Marmelo – interrompeu Micolino – deve ter voado por aí. E outra coisa, Otacílio não sabe o que é um vagalume e ele está muito ocupado vendo o tablet.
– Lógico que ele sabe. Você sabe o que é vagalume?
A criança desviou o olhar da tela, olhou para os palhaços e disse que sim com a cabeça.
– Tá vendo que ele sabe, Micolino?
– Mas ele sabe que o vagalume tem uma luz na bunda?
– Ei, não pode falar bunda!
– Tá, desculpa. Ele sabe que ele tem uma luz no “fiofó”?
– Micolino, isso são modos?
A criança abriu um sorriso de canto de boca e voltou a assistir seu desenho animado no tablet.
– E agora? Ui, ui, ui, ui, ui – chorava Dr. Marmelo – eu quero meu vagalume.
A criança, sem olhar para os palhaços, abria um lento e tímido sorriso. Otacílio estava dividindo o seu tempo presente com dois focos: estava amando assistir ao filme e também brincar com os palhaços. Coincidentemente, o desenho que ele via tinha muitos bichos.
Micolino, esperto que só ele, foi até a tela do tablet e tirou um vagalume de dentro do desenho. Ele utilizou um artifício de um dedo mágico que acende. A criança ficou hipnotizada com a mágica e o desenho animado do tablet passou a ser coadjuvante.
– Meu vagalume apareceu! – comemorava Marmelo – Guarda ele no meu bolso, Micolino.
Micolino guardou o vagalume aceso no bolso do jaleco do Dr. Marmelo.
– Ai, Otacílio. Não sabia que meu bichinho estava no seu tablete!
Enquanto Marmelo falava com a criança, Micolino retirou o vagalume do bolso de Marmelo sem ele perceber e escondeu. Otacílio, com muita calma, tirou sua mão debaixo do lençol e, lentamente, levantou seu braço pra Micolino.
– O que foi Otacílio? Por que você está apontando pra Micolino? Cadê meu vagalume?
A criança, sempre com seu ritmo e velocidade bem lentos, apontava pra Micolino.
– Eu não fiz nada, Otacílio! – retrucava Micolino.
– Você pegou meu vagalume! Devolva, Micolino! Já sei, você vai deixar ele com Otacílio.
– Tá bom – falou emburrado Dr. Micolino. E se dirigiu até o travesseiro da criança: Vou deixá-lo aqui, embaixo do seu travesseiro. Cuida dele, igual às técnicas, médicas e todo mundo aqui que cuida de você. Você sabe cuidar de vagalume, né?
Otacílio piscava o olho dizendo que sim.
– É só dar banho nele antes do café da manhã, durante o café da manhã e depois do café da manhã. Tchau, até semana que vem!