– A gente pode entrar?
Da porta da enfermaria, os dois palhaços falam com os pacientes e acompanhantes.
– Pode! – responde Gabriel, uma criança de aproximadamente 8 anos. Já faz umas semanas que ele deixou a cidade de Cabrobó, Sertão de Pernambuco, para tentar uma cirurgia na capital pernambucana. Gabriel é daquelas crianças grandes com sorriso inocente. Nesse dia, ele estava só, sem seu pai. Fomos direto ao leito dele.
– Cadê seu pai? – perguntou Marmelo desconfiado, como se fosse fazer uma fofoca e ninguém pudesse ouvir.
– Sei lá. Deve estar andando por aí.
– Sabe o que é, Gabriel? A gente viu seu pai no corredor e… pensando bem, melhor não falar, vamos embora.
– Agora eu quero saber, fala! – ordenou a criança.
– Não sei, Gabriel, se a gente tem que falar… vai que você fica constrangido…
– Se a gente falar você promete que não vai falar nada para seu pai?
– Prometo.
Em formato de cruz, Gabriel leva seus dois dedos indicadores à boca e jura segredo diante dos palhaços.
– Prometo silêncio.
– É que a gente vinha andando pelo corredor e vimos cair uma coisa no chão e a gente acha que é do seu pai.
– O que foi que vocês viram?
– Melhor você falar, Micolino.
– Não, Marmelo. Fala você.
– Eu? É… não vou falar, mas vou mostrar.
Marmelo tira do bolso, com muito cuidado e atenção para não ser pego no flagra, uma calcinha bundex.
– O que é isso? – perguntou a criança.
– É uma calcinha fofinha. Tem espuma.
– É Gabriel, seu pai deve usar para aumentar a bunda dele.
– Não pode falar bunda aqui, Micolino! – reprimiu Marmelo.
– E eu falei?
– Sim, você falou bunda.
– Quem falou agora foi você, Marmelo.
– Eu? Falei o quê?
– Bunda.
– Olha aí, você falou bunda novamente, Micolino.
– Chega! Essa calcinha fofinha não é do meu pai.
Da porta, sem que os palhaços percebessem, o pai do Gabriel, Seu Antônio, de 1,60 de altura, observava a conversa.
– Essa calcinha é do seu pai, Gabriel. Olha só o formato da espuma. Forma uma bundinha.
Os palhaços e a criança caem na gargalhada. Gabriel percebe a presença do pai.
– E outra coisa, eu pensava que seu pai malhava bumbum. Mas era espuma.
Com um sorriso no rosto e olhando para o pai parado na porta, Gabriel fala:
– Eu acho que meu pai não vai gostar de saber que vocês estão mentindo, falando por aí que ele usa calcinha bundex.
– Mas é dele, eu juro. Minha que não é.
– E outra coisa, seu pai não tem nem tamanho para brigar com a gente.
– Pois é, a gente não tem medo dele e ninguém aqui vai fofocar para ele.
– Isso, Marmelo. Ele não precisa saber que a gente falou para todo mundo que ele deixou cair sua calcinha bundex.
Seu Antônio, depois de ouvir tudo da porta da enfermaria, entra cuidadosamente para não ser visto e toca no ombro dos palhaços.
– Olá, palhaços!
Marmelo e Micolino se assustam e tentam esconder a peça de roupa. Nervosos, com as pernas tremendo, os dois besteirologistas falam com o pai da criança.
– Oi, Seu Antônio… Tudo bom? A gente já estava de saída.
– É, estávamos conversando com seu filho… e… já vamos, acabamos de fazer uma consulta… é… é… enfim, vamos embora.
Gabriel se apressa para contar tudo ao pai.
– Pai, eles…
Os doutores palhaços interrompem a criança:
– Nossa, Gabriel está ótimo! Tiramos muita caspa no joelho dele.
– Mentira, pai… eles…
Micolino interrompe a criança:
– Sem falar no chulé encravado que resolvemos… Bom, temos que ir.
Seu Antônio segura os dois palhaços pelo braço.
– Voltem aqui! Eu ouvi tudo da porta.
– Foi Micolino, Seu Antônio.
– Não, foi Marmelo.
– Foram os dois, painho! – disse Gabriel excitado com a situação.
– A gente não falou nada, Seu Antônio. Por favor, deixa a gente ir, não faz nada com a gente
– Pai, eles chegaram aqui e falaram que o senhor usava calcinha bundex.
– Cadê a calcinha? Coloque ela aqui na minha mão.
Marmelo tira a peça de roupa de dentro do bolso e entrega para Seu Antônio. O pai, por sua vez, analisa a calcinha com um sorriso de canto, olha para o filho e diz:
– Gabriel, eu vou provar. Vai que fica legal.
A criança sem acreditar e perplexa prepara logo o celular para gravar. Seu Antônio vai até o centro da enfermaria, se apoia em uma cama e veste a calcinha bundex por cima da bermuda.
– Marmelo e Micolino, toquem uma música para eu desfilar.
– O senhor quem manda!
Os palhaços cantarolaram uma canção e seu Antônio, já com a calcinha bundex, coloca a mão na cintura e desfila rebolando pela enfermaria. Gabriel se contorcia gargalhando com o pai.
- Arrasou, Seu Antônio!
- Gostaram? Mas olha, não é minha. Ficou apertada.
- Percebemos. Mas valeu a tentativa, Seu Antônio. O senhor agora pode tirar e nos entregar. Vamos procurar pelo dono.
Os palhaços se despedem da enfermaria. Já no corredor, escondido de Gabriel, Seu Antônio corre pra falar algo com os palhaços.
- Meninos, muito obrigado. Faço isso porque gosto de ver meu filho sorrindo.
- Seu Antônio, eu queria ter um pai igual ao senhor.
O pai de Gabriel esconde o rosto e derrama algumas lágrimas. Até a próxima, Seu Antônio!
E saíram os dois besteirologistas rebolando de felicidade, afinal, rebolar faz bem.