O mês de setembro e a campanha #SetembroAmarelo trazem a oportunidade de discutir a prevenção ao suicídio. Você não está sozinho. Cada um tem sua história, sua experiência de vida, seus anseios, seus medos e o que a gente pode fazer é dar as mãos, sentar para conversar, ficar junto, abraçar. Vivemos numa correria desenfreada em busca de coisas, quando na verdade o que importa é o que pulsa dentro de nós.
Fomos educados para competir, ganhar, ter a melhor nota, a estrelinha, a medalha de ouro, para ser o mais descolado do grupo, o que apresenta melhor os trabalhos na feira de ciências da escola. Não pode gaguejar, tremer e demonstrar que está nervoso!
É demasiado humano se mostrar vulnerável. Não pode chorar em público, homem não chora, engole o choro. Mulher tem que sentar de pernas cruzadas, menina rosa, menino azul. Crescemos podados, de asas cortadas, aprendendo a bloquear, mascarar nossas emoções, fragilidades, nossos medos. Não sabemos lidar com a tristeza, rapidinho arrumamos um entretenimento. Vamos ao shopping, sacolas cheias e corpo vazio.
Precisamos estar o tempo todo com o sorriso estampado, o vizinho não pode saber que temos problemas. É terminantemente proibido fracassar. Estamos na busca incessante da perfeição inatingível. O mundo parece não ser apto para humanos. Crescemos nos apoiando no que é superficial, material, o melhor carro, a melhor casa, o melhor salário, o maior número de seguidores e likes. Nos distraímos fácil de quem realmente somos, do que verdadeiramente queremos e do que de fato precisamos.
Somos cobrados o tempo todo por produtividade, excelência, criatividade, números, metas. Passamos uma vida tentando nos superar, surpreender o outro, e muitas vezes nos frustramos pelo esforço não reconhecido. O mundo está cheio de gente sabida, do mais esperto, do que leva vantagem.
A linguagem do palhaço me abriu os olhos para entender que a fragilidade é uma das coisas mais lindas que existe. Tudo bem ser o bobo da corte. Rir de si mesmo.
O trabalho no hospital também me ensinou a desacelerar. Não quero chegar primeiro. Quero chegar no meu tempo, olhando a paisagem e sendo parte dela. Me colocar no lugar da pessoa que tenta e erra e acerta e tropeça e levanta. Tirar o peso das costas. Eu não tenho que saber de tudo e assumir isso é libertador. Eu não sei todos os dias. Eu aprendo todo dia, eu esqueço.
Tem dias que eu desisto e tudo bem, no outro eu recomeço.
Caímos na armadilha de comparar nossa vida com a do outro. Isso gera angústia, ansiedade e frustração. Caímos ainda na armadilha de querer suprir a expectativa alheia. É uma busca incessante para que a vida seja-incrível-vinte-e-quatro-horas-por-dia. Buscando coisas mirabolantes.
É difícil entender que são as coisas simples que trazem paz, sossego, dias ensolarados. Esses momentos enchem o peito de ar, trazem frescor e vida. Nos dias tristes, eu me calo e me escuto. Eles também são importantes, pois é quando eu preciso ser minha melhor companhia.
Para onde estamos caminhando? Estagnação, marasmo, censura, agrotóxico, pesadelo, bocas amordaçadas? Perdeu-se o respeito pelo outro. O dedo apontado na cara, palavras usadas para humilhar, insultar, ferir. Cidadãos armados de palavras cortantes. Está faltando civilização.
Muitas vezes uma pessoa pergunta (tudo bem?) e a outra responde com a mesma pergunta (tudo bom?). Aí ficam duas perguntas no ar sem respostas. Vamos experimentar perguntar e esperar de fato o que a outra pessoa tem para dizer. Parar para ouvir o outro. Sair do automatismo das relações. Não congelar a maneira de olhar o mundo, olhar as pessoas. Definitivamente não sabemos o que se passa, suas dores, seus bloqueios. Parece fácil resolver o problema do vizinho: “se eu fosse fulano…”.
Vamos começar nos ocupando em resolver as nossas questões. E são tantas! É importante ser ouvido, acolhido e não julgado. Muitas vezes não precisa dizer muito porque a presença é fundamental. Estamos vivendo um momento caótico na saúde, na educação, na cultura, nas relações. Estamos sendo bombardeados de horror, de truculência. Precisamos nos fortalecer de amor e é urgente que se resgate a sensibilidade, o cuidado, a gentileza, o afeto.
Não vamos fechar os olhos para as pessoas que precisam de ajuda. Vamos dar as mãos e atravessar juntos as dificuldades.
A vida é breve e não estamos aqui para apontar o dedo. Não temos uma balança para pesar os problemas. Não sei quantos quilos os meus dariam. Não temos que nos forçar a ser padrão, a caber dentro de caixa alguma. Cada um tem seu tamanho, seu peso, seus valores, nem melhor e nem pior. Apenas diferente. “A caixa” deve ser do tamanho das necessidades individuais. Não permita que ninguém lhe enquadre, não somos produtos expostos em prateleiras.
Sejamos donos dos nossos desejos, das nossas vontades, responsáveis pelos nossos atos. Sejamos fiéis a nós mesmos. Ser educado não é dizer o que esperam que a gente diga. Devemos ser respeitados independente de nossas escolhas. Não dê às pessoas o direito de dizer o que somos ou o que devemos fazer. Eles só sabem aquilo que a gente quer que saibam. Vamos nos importar cada vez menos com as expectativas a nosso respeito.
Cresci sabendo que minha vó cuidou de onze filhos, fazia o milagre da multiplicação do prato de charque com farinha, cresci vendo minha mãe trabalhar e me ensinar a não pegar nada de ninguém. Mulheres fortes que me ensinaram que a força está dentro de nós e que na vida tem jeito para tudo. O mandacaru do sertão, cheio de espinhos, são as mulheres que mesmo na seca florescem. Juntos, somos terra rachada de sol, resistentes.
No tempo da minha vó, os likes eram a inchada na mão cavando a terra para plantar o que comer, seus seguidores eram seus onze filhos na barra da sua saia, o filtro era a cara no sol quente. Não se tinha muito tempo para se ocupar de banalidades. Felicidade era tomar banho de rio, brincar na cacimba, botar a roupa de domingo feita de chita e gastar o chinelo até ele ficar fininho, quase sumindo! A poesia da luz do candeeiro era realidade. O cheiro de fumo, o sereno e as estrelas que iluminavam a noite e cobriam o céu, prosear sentada na calçada. O prato de cuscuz, o pé de umbu.
Vivemos em um outro tempo, é verdade, mas é humanamente saudável a busca pela serenidade e pela beleza da nossa essência, para que a gente não se perca no meio do caminho. Vamos andar de mãos dadas com o amor e com o humor. Educar nossos olhos e mentes a se amparar no que é belo.
Tudo tem seu lado bom. Há beleza na cicatriz, na folha seca, no céu nublado. Se encantar com cada pôr do sol. Deixar o coração acelerar a cada novo desafio. Dizer não quando necessário. Estabelecer limites. Pedir ajuda. Dizer sim para o convite ao teatro, para o café, para o cinema! Acordar querendo cada vez mais ser do jeito que imaginamos ser o nosso melhor.
Falar. Não guardar. Não se trancar. Correr, dançar, sorrir. Deixar os olhos derramarem com coisas que alegram a alma. Não estamos sós.
E se você precisar de ajuda, não hesite. O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias. Acesse o site www.cvv.org.br ou ligue 188.