Oi, Dona Lane. Aqui é Marcelo Oliveira, Dr. Marmelo.
Estou te escrevendo esta carta porque acho bem fofinho escrever coisas de amor e esquecer um pouco esses aparelhos que deixam a gente tão afastados uns dos outros. Eu queria mesmo era dizer isso segurando suas mãos, face a face, deixando as palavras escorrerem com as lágrimas que possivelmente iam sair das nossas brechinhas da alma, os olhos.
Acontece que, às vezes, somos incapazes de sentir a dor do outro de tão grande que ela é. O fundo dos olhos de uma mãe que perdeu a filha para a imensidão do desconhecido deve conter tantos sentimentos e tanta força que eu não saberia nem para onde olhar. Sendo assim, escolhi olhar para o que vi e lembrar de muitos momentos bonitos que tive com a senhora e Lane, sua filha.
Eu, Dr. Dud Grud e Dra. Nana estávamos acompanhando tudo de perto.
Os médicos sempre nos atualizavam do quadro de Lane. Soube da iminência de sua partida e, pouco tempo depois, soube da morte e fiquei muito tocado. A relação que a gente construiu nesses três anos de tratamento foi algo muito especial pra mim.
Hoje só consigo lembrar de momentos bonitos da senhora e da sua filha e perceber que, de fato, só isso basta. Penso que, atualmente, Lane seja a dona das suas lágrimas e suas lembranças sejam como uma chave que abre e fecha a torneirinha dos olhos, mas gosto de lembrar que Lane também é dona dos seus sorrisos, assim como era daquele de canto de boca que nos encantava. É lindo lembrar dos sorrisos dela e da senhora. Vocês me lembram sorriso e abraço.
Penso que, atualmente, Lane seja a dona das suas lágrimas e suas lembranças sejam como uma chave que abre e fecha a torneirinha dos olhos, mas gosto de lembrar que Lane também é dona dos seus sorrisos, assim como era daquele de canto de boca que nos encantava.
Meu trabalho dentro do hospital ficou com mais sentido depois que eu vi Lane dormindo com a flor que eu tinha presenteado na mão dela. Lembra? Ela tinha acabado de passar por um procedimento e estava sonolenta, a senhora até pediu pra eu não a acordar, e daí eu disse: “Entrega essa flor pra ela”. A cada encontro com Lane, eu voltava pra casa entendendo que viver é difícil e belo ao mesmo tempo, é flor e espinho, mas que eu poderia escolher a flor.
Teve um dia que eu e Dud Grud entramos na enfermaria e dançamos muito para ela. Eu fiquei empolgado e rebolei meu popô (é assim que chamo meu bumbum) perto da senhora. Nossa, Lane deu uma gargalhada de levantar o tronco do leito! Vocês abriram uma possibilidade dentro de mim: encontrar sentido na sutileza das pequenas coisas que estão ao meu redor e perceber o quanto a felicidade está de fato pertinho de mim.
Olho para vocês buscando entender esse laço tão forte que as une. Como é lindo perceber que Lane lhe habita, como já foi uma vez no útero, e agora na totalidade da alma. Não tem como acostumar sem Lane porque Lane “está”, de outra forma que ainda não entendemos, mas “está”. Eu tenho certeza de que a senhora tem muitas lembranças bonitas dela, isso é o que importa, isso é o que tem que ficar, isso é o que lhe guia.
A senhora, mãe sem mais adjetivos, porque só esse termo lhe basta, entregue à luta pela recuperação de sua filha, também me mostrou que posso gastar o tempo com coisas bonitas no meu dia.
Como era lindo ver seu empenho e dedicação no tratamento de Lane, sendo um pilar que enfrentava notícias tristes ou melhoras esperançosas. Lembro, ainda, de um dia que a gente não pôde entrar na enfermaria dela, pois Lane estava em isolamento de contato e respiratório. Mesmo assim, fomos ao seu encontro, ficamos na janela de vidro. Da janela, eu vi que o leito estava vazio. Alguns segundos depois, Lane saiu do banheiro de dentro da enfermaria, sentou-se na cama e se organizou pra deitar. Eu bati no vidro da janela, ela olhou pra gente e fez um coração com a mão. Ah! Me derreti todo!
Nós nos despedimos assim, com um coração entre a gente.
Serei capaz de imaginar a saudade que a senhora está sentindo? Talvez não. Mas sei o quanto desejo que a senhora transforme esse sentimento em adubo para que aquela florzinha de vida que ela segurava continue existindo em nós.