Há nos hospitais um espaço situado entre a fantasia e a realidade, onde tudo pode acontecer. Fica para além dos corredores, longe das portas, um tanto escondido. Corre o boato, nas bocas pequenas, de que só as crianças e os palhaços sabem onde fica…
Estamos falando da “área mágica segura”. Parece fantasia ou brincadeira de besteirologista, mas é um conceito sério, criado pela professora e pesquisadora sueca Lotta Linge (foto), já aplicado em muitas pesquisas mundo afora sobre a intervenção de palhaços em hospitais.
A área mágica segura é um lugar simbólico estabelecido durante o encontro entre palhaços e crianças. Assim que o artista, munido de técnica, entra em um quarto e tem a permissão da criança para continuar, abre-se uma brecha na relação tempo-espaço e as fronteiras entre o que está doente e o que está saudável se dissolvem, tornando possível o impossível.
É sabido que o tratamento hospitalar afasta a criança de seus principais contextos de vida, como a família, a escola, os amigos; e sua nova rotina pode trazer a percepção de ameaça perante o desconhecido. Essa realidade se impõe de forma dura. Em alguns casos, pode representar obstáculos ao tratamento e até mesmo experiências traumáticas.
Segundo Linge, as possibilidades inesperadas dentro da área mágica segura ajudam as crianças a se distanciar dos problemas, principalmente pela alternância entre diferentes estados emocionais. Quando elas podem brincar e testam suas alternativas, em um lugar onde tudo pode acontecer, em vez de sentir as suas limitações, elas têm a oportunidade de confiar nas possibilidades de seu corpo, o que aumenta a autoconfiança.
É próprio da linguagem clown inverter os papeis de uma relação de autoridade. A criança dá o tom da relação, é sábia e experiente, e os palhaços são ignorantes e desajeitados, na necessidade de orientação e ajuda. Para Linge, a sensação de ser capaz de assumir o controle sobre o incompreensível dá um efeito duradouro de bem-estar que pode extrapolar dias e circunstâncias difíceis no hospital.
“Uma menina descreveu claramente a área mágica; ela sentiu os palhaços construindo um mundo junto com as crianças, um mundo que não era o real, mas um lugar em que as crianças eram vistas e reconhecidas, em uma atmosfera de alegria. Esta adolescente não se verá como doente, mas como uma pessoa que simplesmente estaria buscando sua forma mais saudável”, conta a pesquisadora.
Mesmo que a realidade da internação não possa ser afastada, ela certamente pode ser enfrentada e superada. Melhor ainda se for em um espaço em que a criança se sinta segura e autoconfiante.
Os palhaços do Doutores da Alegria estão toda semana nos hospitais, se empenhando para que as áreas mágicas criadas com as crianças estejam sempre em movimento. E, por que não, possíveis de serem acessadas aqui e acolá por profissionais de saúde?
(fonte: Magical attachment: Children in magical relations with hospital clowns)