A gente cresce querendo ser alguém. Muitas das crianças preferem parecer com um super-herói que tem poderes além do anormal, coisas que a ficção explica a necessidade humana. Mas na realidade, a gente é a soma de muitas coisas, de muitas pessoas, com poderes ou sem poderes.
E eis que dobrando um corredor, abrindo uma porta, por debaixo de um lençol em forma de cabana, ao som de marchinhas e frevos, vejo um espelho melhor que eu, refletindo uma imagem de mais de quatorze anos de existência no hospital.
A surpresa não fez ficar de queixo caído, nem desaguar lágrimas, nem tão pouco explodir de euforia. Fui inundado por uma alegria diferente, onde o ego não encontra lugar. Mas diante daquele espelho que me refletia em um detalhamento sem dó, um filme me fez reconhecer o que os antepassados, ancestrais da palhaçaria, já reconstituíam.
A menina que mora nos meus olhos dançou e dançou. E a euforia tomou conta de quem via. Eu apenas sorria contente, porque sabia que uma criança reconhece a outra! Brincamos juntos e iguais no limite que permitia Robert brincar, pois ainda vestido com as roupas do Dr. Lui, ele prosseguia o seu tratamento na hemodiálise do 5ª andar do IMIP.
Mas a roupa não negava que vestia de palhaço aquele corpo que luta para reverter um destino, de uma alma que sonha e acredita. E ele escolheu se vestir de palhaço. Não era a roupa de um homem de aço, que voa e tem poderes de efeitos especiais. Era um ser tonto, torto e que ama errar. E que do erro faz o acerto que contagia e alegra a alma embebecida de gargalhada e riso frouxo.
Guardei aquela imagem comigo e, só agora, com o passar do tempo, refogo minha alma na brandura das águas de dentro da gente. Ele reacendia um sinal que me vinha em sonho antes de me tornar besteirologista do Doutores da Alegria.
As crianças me apontavam um caminho e apenas segui. E elas continuam mostrando que não errei por completo. Tropecei, caí, duvidei, chorei escondido, guardei os gritos abafados, mas hoje… Ah, hoje… Colho o que plantei na herança partilhada de quem fez do riso o bálsamo para a alma de criança não deixar de ser!
Narciso se afogaria vendo esta imagem. Eu apenas agradeço e sigo tocado querendo que ele seja eterno enquanto dure, guardado na lembrança de quem vive sem ser escravo de um selfie.
Luciano Pontes (Dr. Lui)
IMIP – Recife