De tempos em tempos, a roda dos residentes gira: é um rodízio de experiências, que eles passam para aprimorar habilidades, conceitos e para aprenderem a lidar com a vida real no hospital.
Alguns desses jovens residentes têm a urgência dos afazeres, mas também a delicadeza de dar aquele “um minutinho” para pensar, falar e ouvir besteiras dos besteirologistas.
Assim, “um minutinho” no hospital pode ser tudo e nada. Tudo, porque diante de uma ocorrência, o minutinho salva vidas; e nada, porque um minutinho que se dê atenção a alguém ou alguma coisa é ganhar tempo para ouvir além dos diagnósticos.
Então neste período encontramos muitos residentes, com seus mais variados perfis e estilos. Aqueles sorridentes e acolhedores, os que fingem ser simpáticos para que os palhaços passem logo e os que ignoram mesmo (mas esses são raros!). Fico pensando se isso não acontece com alguns dos pacientes, mas isso vai além de mim, vou me deter ao aqui e agora.
Dentre esses residentes sempre tem UM, e haverá sempre UM, o que é uma esperança no palheiro, como uma agulha rara que vai olhar para tudo ali de outra maneira. Seu nome era outro e aqui vou modificá-lo para que sua fama seja protegida e seus pacientes não vão à consulta pedindo para que ele cante e toque.
Tavinho era um jovem alto e tinha lá seu charme no olhar, observava sempre nossas bobagens com muita atenção, principalmente nas festinhas dos aniversariantes do mês na salinha dos médicos lá no fundo da enfermaria no 3ª andar.
Olhava, às vezes, como querendo fazer parte daquela alegria toda, talvez por reconhecer o quanto aquilo também aliviava a tensão do dia ou por admirar aqueles sujeitos realizando algo diferente do que escolheu fazer.
Eis que UM DIA, porque sempre haverá UM DIA, nos encontramos no corredor, saindo da visita com Manuzita, que dança balançando as perninhas nos braços de sua mãe e ri silenciosamente. Tavinho pediu o violão e dedilhou uns acordes, o que fez nossos olhos saltarem antes do sorriso e dizerem “toca para gente!”.
Naquela hora, muitas coisas vieram me visitar, vi como um espelho inverso o quanto é bonito alguém se dedicar ao outro e realizar o que pode de belo e sensível. Veio também a generosidade dele, em parar UM MINUTINHO e revelar um segredo desconhecido de muitos, de nós e de seus amigos de trabalho. E a alegria de sermos parceiros e trabalharmos juntos para as crianças daquele hospital.
Uma euforia subiu pela espinha e veio um arrepio. Saí correndo e deixei Dr. Eu vendo a cantoria enquanto corri até a salinha para chamar seus amigos de residência para vê-lo tocar.
O sucesso veio na hora, alguns pegaram seus celulares e gravaram aquele momento. Às vezes, faço meus olhos de celulares com câmera e filmo para me lembrar depois, não consigo e nem posso andar por aí filmando tudo que vejo.
A música acabou e o encanto não. Saímos dali admirando aquele jovem médico, que vai se deparar com muitos minutos ruins e bons na sua jornada na medicina.
Espero que ao menos ele se lembre, sem ter que recorrer ao vídeo gravado no celular e enviado pelo WhatsApp. Que guarde na memória e no coração aquele momento em que fez algo diferente para ele e para quem estava com ele!