A enfermaria está lotada de criança. Umas têm faixa na cabeça, outras estão amarradas no fio do soro. Tem criança com gesso no braço e tem criança dormindo no colo da mãe.
Tem pequenino que está careca, com dor de barriga, e aquela que caiu da árvore. Tem criança que fala palavras carinhosas e tem aquelas que xingam. E agora, com essa moda de celular, tem criança que nem olha no nosso olho.
Encontramos com R., de aproximadamente 12 anos. Ele é esticado, toma quase toda a cama. Logo no primeiro encontro, mandou a gente calar a boca.
1º encontro
O menino disse que estava querendo silêncio e que não era pra gente tocar violão. Foi uma confusão.
– R., a gente promete que nunca vai tocar uma música na sua presença. Mas a gente quer mostrar uma música que a gente fez pra você. Podemos?
– Não!, respondeu o garoto, não quero vocês tocando nenhuma música. Vão embora e não cheguem perto de mim.
– Mas é uma música tão bonita. Fala de flor. Mas, como você não quer ouvir, a gente promete que nunca vai cantar essa música pra você.
Aí, cantávamos a música.
– Porque a gente tem noção das coisas e não vai tocar. Mas, se a gente não tivesse bom senso, com certeza tocaria essa música.
Então, tocávamos novamente. E saímos da enfermaria tocando a música só pra mostrar pra ele que nunca a gente vai tocar aquela música ali.
– Ei, mas vocês estão tocando!, gritou o menino.
2º encontro
Percebemos que seu travesseiro tinha uma estampa florida.
– Nossa, R.! Quantas flores na sua cama. Podemos levar uma pra gente?
– Não.
– Mas, olha pra essa flor, está caindo. Olha! Peguei... A flor é sua. Cuida dela! É só colocar meia gota de água três vezes ao dia.
O menino segurou a flor e a jogou no chão.
3º encontro
Quando o R. nos avistou de longe cobriu o rosto com o cobertor. Paramos ao seu lado e vimos que a flor estava ao lado da cama. Sua mãe tinha apanhado do chão e guardado.
– R., por que você virou todo o seu corpo pra gente?
Ele devia estar aprontando alguma coisa. Sem esperarmos ele solta um pum muito forte!
– NOSSA! SOCORRO! – e saímos correndo da enfermaria. O garoto só ria!
4º encontro
Ele dormia. Deixamos um recadinho:
Querido R.,
Passamos aqui hoje e vimos que você estava dormindo.
O seu pum foi quase como uma bomba nuclear. Mas sobrevivemos.
5º encontro
Um belo dia, atendendo na UTI, vimos que um dos leitos estava sendo por um garoto grande, que tomava quase todo o espaço. Quando chegamos perto vimos que era o R.
Tinha feito uma cirurgia. Estava dormindo.
– Oi, R.! Aqui é Dr. Marmelo e Dr. Euzébio – e cantarolamos uma música pra ele. Quando acordou, olhou bem fixo pra gente.
– Cadê minha mãe? Eu quero minha mãe – disse com sua voz calma e baixa.
– Sua mãe está ali fora. Ela vai entrar já, já.
6º encontro
Em um dos plantões besteirológicos, andando pela enfermaria, vimos que o garoto tinha saído da UTI. Estava deitado na cama, com sua mãe ao lado.
O garoto sorriu quando acenamos e nos cumprimentou. Ficamos em silêncio. Esperávamos uma bronca!
A mãe dele sorria. Ela sempre se divertia vendo a gente correndo com medo do R. Talvez já estivesse esperando a saída maluca dos besteirologistas pela porta da enfermaria, mas dessa vez foi diferente.
Diferente dos dias que se passaram. Assim como é na vida. Todo dia um dia. Nos olhamos. O menino olhou pra o Dr. Euzébio:
– O senhor trocou de roupa. Cadê sua camisa amarela?
…
Dr. Eu_zébio (Fábio Caio) e Dr. Marmelo (Marcelo Oliveira)
Hospital da Restauração – Recife