Descíamos a escada do Hospital do Grajaú, em São Paulo, devagar, cantando uma música singela. Encontramos uma médica que sorriu pra gente.
– Que legal o trabalho de vocês. Mas o que fazem além de palhaço?, perguntou ela.
Nossa! Fazia muito tempo que não escutávamos esta pergunta. Diante do nosso lapso de tempo para, pensar ela emendou:
– Vocês são voluntários?
E nos perguntou interessada mesmo. Respondemos:
– Não somos voluntários e trabalhamos com teatro. E você? Com o que você trabalha?
– Sou médica e dentista.
– Nossa! Deve ser ótimo ter você na família! Muitos problemas resolvidos!
Aqui o contraponto se fez, tínhamos de um lado a inutilidade dos palhaços e, do outro, a solução para toda nossa saúde. Ela seguiu:
– Mas que bom que vocês vêm, sempre tem alguém que perde alguém…
Estávamos ainda na escada quando a porta se abriu. Três meninas alegres entram, tiram fotos e pedem para tocar uma música para dançarem. Tocamos um forró de pé de escada. Pausa no dia para dançar e seguir o trabalho.
A médica continuava com a gente e observava. Depois falou:
– Perdi meu pai faz 60 dias e não consigo superar.
Aqui nos igualamos. Dr. Chabilson perdeu sua mãe há poucos meses e eu perdi uma irmã há um ano. Quem não?
Começamos uma conversa sincera sobre nossas experiências com a morte. O Chabilson “conversa” com a mãe e eu penso sempre no que a Ju faria. E como a conheço bem, em geral sei e sigo sua sabedoria.
Foi a Ju que me disse quando perdeu o pai:
– Sabe, achei que nunca fosse superar a perda dele, mas o tempo cura. Tenho saudade, mas depois de dez anos a ausência dele é outra coisa.
Repeti essa frase para o filho dela quando ela faleceu. A médica nos fala muito de como gostava do pai e como estava sendo difícil.
A boa vida vivida com a pessoa é o que nos conforta. A boa lembrança nos aquece e agora é esperar o tempo transformar dor em outra coisa. A médica chorou, nos abraçou, e seguiu seu trabalho.