A cidade de São Paulo é principal polo cultural do país, mas grande parte da sua população não se aproveita disso. A distância dos espaços de cultura é tida como argumento decisivo, assim como o valor das atrações. Outro fator é o desinteresse.
A Pesquisa de Hábitos Culturais, realizada pela consultoria JLeiva Cultura e Esporte em parceria com o Datafolha entre junho e julho deste ano, entrevistou 10.630 pessoas em 12 das capitais mais populosas do Brasil.
Ouvir música e ver filmes
Os paulistanos têm um hábito em comum: ouvir música (98%) e ver filmes (93%). Estas atividades não exigem deslocamento, como ir ao cinema ou ao teatro, podendo ser realizadas dentro de casa. Já fora de casa, ir ao cinema é a atividade mais praticada (60%).
Teatro
Ir ao teatro é um hábito cultural praticado por apenas 30% dos paulistanos. A pesquisa revelou que 38% das pessoas não se interessam por teatro, 20% não frequentam por questões econômicas e 15% por não encontrarem salas perto de casa.
E aqui outro dado: quanto menor a escolaridade, menor o interesse e maior a influência econômica. Além disso, 4 em cada 5 pessoas tem a comédia como gênero preferido – o que explica, por exemplo, o sucesso de gêneros como o stand’up comedy.
Todo artista tem de ir aonde o povo está
Os resultados comprovam que o consumo de cultura esbarra na exclusão sociocultural. Além da dificuldade em chegar aos espaços culturais, quase um terço da população (32%) depende de acesso gratuito para ir.
Talvez esses fatores possam explicar o desinteresse de grande parte da população pelas artes. Embora existam diversas políticas públicas que promovam o acesso à cultura, como o Vale Cultura, as meias-entradas, as contrapartidas sociais e a construção de equipamentos culturais em locais afastados dos grandes centros, ainda há muito a ser feito.
Nas periferias, líderes comunitários e projetos sociais buscam formas de promover cultura e têm tido êxito, pois apostam na identidade da comunidade. Mas também é preciso criar novos palcos. Todo artista tem de ir aonde o povo está, já dizia Milton Nascimento.
É desta maneira que Doutores da Alegria promove cultura: contratando e remunerando artistas extremamente qualificados para se apresentarem diariamente em hospitais públicos e periféricos. O hospital, a nossos olhos, é um palco; os pacientes, seus acompanhantes e profissionais de saúde são a nossa plateia. E o espetáculo se dá de leito em leito, às vezes numa enfermaria, às vezes num corredor.
Ao longo de 27 anos, colecionamos histórias de pessoas que, inspiradas pela presença dos artistas durante seu tratamento, passaram a frequentar o teatro. Outras foram estudar Artes Cênicas. Foi pensando assim que criamos, há 14 anos, um curso gratuito de profissionalização artística para jovens em situação de vulnerabilidade social. Estes jovens palhaços e palhaças democratizam a cultura ao fazer teatro em suas comunidades de origem.
É claro que, em pleno 2018, os números da pesquisa poderiam trazer uma realidade mais alegre: uma situação econômica pujante, uma política de igualdade social, uma educação que incentivasse hábitos culturais, um amplo investimento em cultura em toda a cidade.
Enquanto isso tudo não acontece, continuamos apostando que os encontros de artistas e crianças nos hospitais possam despertar a sensibilidade, o desejo e o gosto pelas artes. E se isso já acontece em um ambiente árido e em uma situação adversa, está aí, para nós, a prova de que outros palcos são possíveis e devem ser experimentados.