Sempre saímos muito pensativos depois de um dia de trabalho no hospital. A última reflexão foi sobre ser feliz.
Ser feliz não é questão de não ter problema ou de ter uma vida perfeita. Ou de ter uma vida onde tudo parece ser favorável. Hoje percebo que ser feliz é saber lidar com o que a vida nos oferece, mesmo sendo algo não muito agradável. Até porque, tenho quase certeza, não existe só coisa ruim acontecendo.
Nossa função enquanto palhaços é entrar em contato com esse lado saudável da vida. E como é que eu consigo me conectar com o positivo da existência?
Bem, poderíamos fazer um pequeno exercício de olhar pra tudo de bom que está acontecendo.
O que está surgindo de bom agora na sua vida? No hospital, por exemplo, tem muita coisa boa acontecendo! Existe uma pessoa que acorda todos os dias pra olhar pra nossa saúde, pessoa que faz nosso almoço, pessoa que pensa nossa dieta, que limpa nosso quarto, que nos dá carinho, que ora pela gente. Pessoa que lava nossa roupa, pessoa que conserta o ar condicionado, pessoa que nos faz rir, profissionais que desenham e pintam com a gente, pessoa que estuda pra nossa cura e mais, mais, mais pessoa pra tudo!
É muita coisa, né? E muita coisa boa! Então, por que não agradecer mais e pedir menos?
É um grande passo pra uma conexão com um turbilhão de coisas legais e que estão presentes em nossas vidas. A gente sabe que o mar não tá pra peixe. Ôps! A gente sabe ou nos disseram isso? A gente foi lá olhar, tirar nossas próprias conclusões? Hum… Tenho certeza de que muitos de nós nem sequer se deram ao trabalho.
Se alegrar com o simples… Mas o que fazer com esse lado negativo que muitas vezes nos afoga e nos deixa tristes?
Certa vez, estávamos em um atendimento com uma criança que não andava e que se encontrava há 5 anos morando na UTI. Parece pesado, né? Mas pra esta criança, não era! Ela se alegrava porque a sua cama ia mudar de lugar, ia pra mais perto da janela e, assim, iria conseguir ver o nascer do sol. Ela se alegrava com a chegada dos palhaços, com o carinho dado pela sua mãe, com a nova cor estranha do cabelo da médica, e por aí vai.
Nesse dia, em uma cadeira de rodas, ela segurava um copo de iogurte. No meio da conversa, ela deixou cair o copo no chão. Fiquei um pouco assustada, tentei segurar o copo e não consegui. Ela olhou pra mim, com o olhar leve e tranquilo, e disse:
– Tem nada não, é que eu sou assim mesmo!
Essa frase ecoou na cabeça. “É que eu sou assim mesmo”. Acho que um bom começo para saber lidar com o que consideramos negativo em nossa vida e aceitar a condição atual.
Se no momento eu estou doente, eu aceito a doença, trago ela pra perto de mim, olho com amor pra ela, sem aversão e entendo que eu não sou uma doença, mas que estou doente. Começo a entender que além da doença, para qual estou olhando com muito afeto, existe uma possibilidade de coisas acontecendo de positivo bem pertinho.
Por exemplo: o sol nasce todos os dias, depois vem a lua, já ouvi várias vezes som de pássaros de dentro do hospital, já vi, de dentro da enfermaria, o vento bater em árvores… É uma questão de escolha. Não está nada fora do lugar porque é assim que tinha de ser. No frigir dos ovos, está tudo bem pra menina, está tudo bem pra nós e está tudo bem pra você. Tá tudo certo!