A gente fica mesmo feliz quando tudo está bem. Se temos sintomas de doenças, o bom mesmo é quando tudo melhora. Mas dizem que só sabemos quando tudo está bom se a gente passa pelo que é ruim. E pra gente, tudo está bom quando conseguimos chegar perto e fazer com que os elos do brincar sejam tão leves que o riso ou gargalhada, ou mesmo o silêncio sem resposta, encontre um lugar para ficar no hospital, mesmo que seja por alguns minutos.
Mas nem sempre tudo é tão fácil, precisa de doses pacienciosas e de acreditar que o importante é tentar. E naquele dia até então, estava tudo bem. Foi quando nos encontramos com o Mig, calado e cabisbaixo, olhou pela primeira vez pra gente e era como se tivesse uma nuvem encobrindo.
De longe ele via a movimentação das brincadeiras e sons e olhou curioso. Mas ao chegarmos perto de Mig, deu pra ver que escorriam lágrimas que não pareciam de dor física, mas talvez de tristeza.
Perguntei se a cama dele estava apitando, ele parecia não ouvir, estava inundado e o importante era sentir aquele sentimento. Mas um som de apito agudo e baixo soou do dedo ao toque no seu colchão com um lençol de bichinhos. O olho do Mig procurou o inesperado e se voltou para achar onde apitava mais.
Ali ele esqueceu um pouco as lágrimas que pareciam fixas no seu rosto. Como era perto da hora do almoço, tudo levou a crer que era apetite e não porque ele, talvez, soltasse pum na cama escondido. Saímos da enfermaria sem saber muito do Mig, mas uma residente veio relatar que a gente o visitasse, pois ele precisava nos conhecer. Falamos que isso já havia acontecido e que agora era preciso chegar um outro dia pra nos vermos de novo.
Passados alguns dias, voltamos à enfermaria do Mig, agora olhava com certa curiosidade e as lágrimas não escorriam. Mas dava pra ver que a qualquer momento elas poderiam voltar. Fizemos o que ele gostava de ver com as outras crianças e, dessa vez, antes de sair, deixei com ele um MILHO. Sim, gente, um MILHO. Pequeno e amarelo, era um brinquedo que andava escondido no meu jaleco.
Falei para Mig que ele poderia ficar com meu MILHO, para ver se ele MILHOrava logo. Ele pegou com carinho, como quem ganha presente inesperado e deu pra ver um leve sorriso de surpresa. Mas disse a ele que pegaria de volta no nosso próximo encontro. Acordos acordados, agora era torcer para que desse certo.
Passados outros dias, eis que voltamos à enfermaria do Mig. E eu, era um misto de alegria e nervosismo, pois esperava reaver o MILHO estimado de minhas piadas besteirológicas. Mas eis que…. Olhamos para o Mig e um ar de mistério tomava o seu rosto.
Pergunto se estava melhor e, no silêncio misterioso, ele balança a cabeça que sim, mas ao perguntar sobre o milho……………………………. O sumiço se revelou sobre o mistério. Para onde? o que terá acontecido? Uma procura alucinante se faz sem sucesso, as lágrimas teimaram a sair dos meus olhos e o desespero de ter perdido um dos mimos mais amados do meu repertório.
Nada de sinal, nem sombra, nem migalhas. Ao perceber a procura e sem saber explicar, Mig chorou seu chorinho sem música. Sem alento os dois, Mig e eu, ficamos com nossos sentimentos de perda ou de não conseguir saber explicar o sumiço das coisas.
Ao sair da enfermaria, iniciou uma procura desesperada para que alguém, uma técnica, enfermeira ou médicos e médicas tivessem visto o que poderia ter acontecido com o milho. Sem sucesso, voei para o almoço sem esperanças, mas lamentando.
Um dia passou entre um outro dia e lá estávamos nós a encontrar o Mig, que agora não chora, mas sorri com alegria e brinca com a gente e mostra a língua pra ver se tá solta para poder falar besteira.
Afinal de contas, vão-se os anéis e ficam… as lembranças. Mas o que mais me intriga até hoje é: ONDE FOI PARAR O MILHO?
Dr. Lui (Luciano Pontes) e Dr. Dud Grud (Eduardo Filho)