Era uma segunda-feira chuvosa e os nossos grandes sapatos já cruzavam a sala onde nos “reencontramos” com as bestas que somos. Já com o pé direito, entramos no corredor da enfermaria pediátrica para mais um dia de atendimento besteirológico às crianças internadas.
Pegamos o plantão com a equipe médica e fomos nos conectar com cada uma das crianças ali presentes e eis que entramos em um quarto de uma adolescente.
Vira e mexe nos deparamos com essas crianças em processo de crescimento avançado rumo à vida adulta, é sempre um lugar de desafio, já que se trata de uma fase peculiar onde a criança ainda está lá, mas a vida adulta já entrou como luz pelas frestas e segue convidando aquele corpo em transição para um novo horizonte, um novo passeio.
Nesse contexto, é necessário ter muita atenção e perspicácia para que os palhaços e palhaças possam também participar desse universo fronteiriço de desabrochar-se, mas a besteirologia é vasta e eficaz para todas as idades – e eu posso provar!
Lá estava a pré-adolescente, sentada no sofá dos acompanhantes junto com a sua mãe. Dra. Faísca e Dr. De Derson se aproximaram e perguntaram os nomes das duas, mas ao olhar a paciente mais de perto, perceberam que ela tinha o cabelo pintado.
As raízes de cor natural, castanho, e as pontas na cor roxa. Após uma apurada análise médica-besteirológica, Faísca disse:
– “De Derson, você reparou bem nessa paciente? Estamos diante de uma unicórnio!”. Os dois tontos se empolgam e a menina ri da bestagem.
Seguindo o processo investigativo daquele fenômeno, eles disseram à mãe da paciente:
-“Foi você que fez ela?” – A mãe, sorrindo, assentiu que sim. E nós nos empolgamos ainda mais.
-“E como é que faz pra fazer um unicórnio? É tão linda essa unicórnio, será que você pode passar a receita para a gente?”
A mãe, para nossa surpresa, iniciou a descrição detalhada da tal “receita”, que agora eu conto para vocês:
Ingredientes:
1 folha metade roxa e metade verde
1 litro de água potável
Modo de preparo:
Primeiramente, vista uma roupa de cor clara e vá até uma floresta em noite de lua cheia. Depois, encontre uma clareira e tire os sapatos. Toque a terra úmida com os pés, pegue delicadamente a folha metade roxa e metade verde e a lave na água.
Em seguida, seque-a com sua roupa e aponte a folha para o céu. Deixe as mãos bem abertas para que a luz prateada da lua penetre ao máximo a superfície da folha. Feche os olhos por alguns minutos e sinta todos os
elementos da natureza unidos. Por fim, esfregue a folha na barriga e pronto. Alguns meses depois virá ao mundo um unicórnio.
A menina-unicórnio ria surpresa, olhando para a mãe que acabara de descrever sua receita mágica para os médicos besteirologistas que tentavam atrapalhadamente anotar a receita com todos os seus detalhes.
Ao fim do processo, Faísca e De Dérson estavam estarrecidos e animadíssimos, definitivamente. Estávamos diante de uma bruxa-fada-xamã que havia topado dividir conosco sua maior magia. Faísca percebeu uma grande oportunidade e perguntou para a grande Xamãe:
-“Dizem que unicórnios vêm acompanhados de potes de ouro, é verdade isso senhora, Xamãe?”
E ela responde sorrindo:
-“Sim, é verdade!”, a menina seguiu rindo e olhando para a mãe.
Então, imediatamente olho para a menina e pergunto:
-“Sabe o que é, eu e De Derson andamos bem falidos. Será que você poderia, com a permissão da sua Xamãe, apontar para o bolso do De Derson pra vê se aparece uns dinheiros lá?!”
A menina ri e aceita o pedido. Expectativa total no ar, a menina-unicórnio aponta para o bolso de De Derson e, ao verificar, voilá! Sai do seu bolso um monte de dinheiro.
Os dois agradecem a unicórnio e sua Xamãe, que riem e acompanham os dois bestas que saem comemorando a riqueza relâmpago que haviam conquistado.
Eu diria que essa teria sido uma oportunidade de ouro na vida daqueles dois, se o tal dinheiro não fosse de brinquedo… Ai, ai. No universo da palhaçaria a magia vem sempre meio às avessas.
Depois desse dia, Faísca e De Derson tentaram várias vezes realizar a complexa receita para tentar sair da pindaíba, mas sequer conseguiram encontrar a tal folha metade roxa, metade verde.
E você aí, será que conseguiria?