O dia de trabalho começa e como sempre as expectativas se abrem diante da tela, assim como quem abre uma janela para admirar o nascer do sol de um novo dia.
O primeiro encontro é com nossa anja, com quem trocamos uma ideia sobre as crianças e os locais para onde seremos levados por ela pelo tablet. Até aí nada muito diferente do que seria no presencial, mas também trocamos aquela conversa de comadre, tipo “sabe quem teve alta?”, “quem voltou foi fulano” e outras coisinhas boas.
Hoje em dia essa conversa que antecipa as informações até ganhou um nome metido. Chamam de “spoiler”. Os antigos já faziam isso quando juntavam cadeiras na calçada de casa no final do dia, e ali todos os assuntos eram antecipados. Podem até chamar de fofoca, mas é uma maneira de atualizar os assuntos, fica até mais bonito desse jeito.
Bem, lá estávamos sentados em nossas cadeiras, prontos para o “spoiler” do dia, quando tivemos a prévia do roteiro de visitas, com a informação de que Nando, pré-adolescente com quem já tínhamos travado contato, tinha feito a esperada cirurgia.
Nando amputou uma perna. Fomos impactados com a notícia e, por um instante, lembramos do nosso último encontro.
Ele nos brindou com os sons de sua risada, que pareciam as teclas de um piano embalando o som daquela gargalhada generosa. Naquele momento abriu-se uma expectativa e antecipamos em nossas mentes que iríamos encontrá-lo chateado, o que seria compreensível, mas só nos restava encarar o fato e lidar com a situação.
Era tudo que nos cabia. No fundo sabemos que as coisas podem ser diferentes se existir vontade de fazê-las diferentes, então deixamos que o acaso nos conduzisse. E esse tal de acaso nos deu uma surpresa.
Nando logo de cara abriu aquele sorriso lindo para nos receber. Nem de perto pareceu ter saído de uma cirurgia como aquela. Ah, Dona Surpresa, a senhora é mesmo uma danada! Muito obrigado por mostrar que nada precisa ser como imaginamos antecipadamente. Que a vida segue e a alegria de viver supera qualquer obstáculo.
O sorriso do Nando nos faz pensar em “quem somos nós na fila da vacina?”. Houve um tempo em que era a fila do pão, mas a fila anda até para os ditados populares.
Ao lado dele estava Lucas, que também passava por um momento de transformação, com seus cabelos raspados. Não perdi tempo e me coloquei de modelo.
Lucas olhou com certa curiosidade e o espanto de quem, no fundo, sabe que os cabelos voltarão ao final do tratamento. Já eu, que ostentei orgulhoso minha cabeça brilhante, não tenho mais jeito.
Estamos sempre sofrendo alguma transformação, interior e exterior. Aumentamos ou diminuímos de peso, perdemos um membro do corpo ou todos os cabelos.
Em todo caso, o que vale é a possibilidade de abrir um sorriso e encarar que a fila anda, e que sua vez chega: para o dia da alta médica, para o dia de fazer um novo penteado, para o dia de casar (eu e Svenza acreditamos nisso), para o dia de tomar a vacina e para o que mais você quiser.