Quanto mais procuro um sentido ou explicação lógica para as coisas da vida, menos encontro. Embora não queiramos aceitar, a resposta para as questões ilógicas da vida, muitas vezes, é simples: Porque sim!
Mas “porque sim” não é resposta! Porque sim é resposta, sim!
Por exemplo, perguntem para a dra Manela:
– Manela, por que sua bunda é amarela?
E com certeza ela irá responder:
– Porque sim!
Outro dia eu, dra Lola, e a dra Sakura nos deparamos com uma mãe: bem na nossa frente, de costas para nós, chorando profundamente, o corredor todo a percorrer. Ela foi andando sem nos notar, solitária em suas lágrimas. Nós duas atrás, em silêncio flutuante, seguíamos seus passos sem saber onde iam dar.
Ela vestiu o avental e entrou na UTI, sem olhar para trás. Demos um tempo, nos olhamos, respiramos e abrimos delicadamente uma fresta da porta para tentar descobrir se éramos ou não bem vindas naquele momento. Nós mal começamos a abrir a porta e uma médica veio ao nosso encontro. Então tive a certeza de que ela viria nos dar a notícia da partida de algum de nossos amigos e que seria melhor não entrarmos naquele momento.
Mas, pelo contrário, ela veio nos dizer:
– Entrem! Vão visitar a “K”, que gosta muito de vocês e teve uma recaída. A mãe está muito chorosa!
Entramos. Vimos nossa amiguinha deitada, com uma mãe de um lado e uma tia ou avó do outro, ambas se debulhando em lágrimas sobre o corpo desacordado da menina. Nos sentimos na obrigação de fazer algo que pudesse reverter aquela situação, afinal fomos recrutadas para isso. Mas o quê?
A vontade era ser Deus e mudar tudo. Mas quanta responsabilidade para duas simples palhaças! Que situação delicada! Qualquer gracinha a mais seria fatal para que a mãe nos odiasse para sempre, qualquer atitude de menos seria frustrante e embaraçosa para todos!
“Mas por que você escolheu ser palhaça e ir trabalhar no hospital?” “Porque sim, ora!”
Trocamos algumas palavras com a mãe e começamos a cantar. Uma música que veio assim, lentamente e bem baixinho como que buscando lugar para existir…
“Des yeux qui font baisser les miens…” Em francês, por que não?
E a música foi encontrando lugar de existir, pouco a pouco ganhando corpo com os olhares cúmplices das mulheres…
“Quand il me prend dans ses bras, il me parle tout bas, je vois la vie en rose… lá lá rá….”
Cantamos a música toda com direito a solo e tudo. Nossa amiguinha não pôde expressar nenhuma reação. Nem temos como saber se ela ouviu a música, se percebeu que éramos nós ali a cantar, apesar dos sussurros da mãe:
– São as Doutoras da Alegria, filha…
Os olhares das mulheres nos atravessaram a alma. Saímos cantando, nos despedindo, com uma sensação tremenda de impotência diante do mistério da vida. Por que uma criança tão pequena passar por tudo isso?
E tivemos que nos conformar com a resposta inquietante: Porque sim!
Dra Lola Brígida (Luciana Viacava)
Instituto de Tratamento do Câncer Infantil – São Paulo