Nosso trabalho dentro do hospital consiste em realizar visitas besteirológicas para os acompanhantes, os profissionais de saúde, o pessoal da segurança e higienização, os escriturários e, principalmente, para as crianças.
E esta visita transita por uma arquitetura que muda a maneira como nos relacionamos com as pessoas.
Uma visita num quarto com apenas um leito é diferente da visita feita numa enfermaria com oito camas, que é diferente de uma UTI, que é diferente de um corredor, que é diferente da escadaria ou elevador.
Mas há lugares no hospital que nosso acesso é proibido ou limitado: os quartos de isolamento.
No hospital onde atuamos há dois tipos de quarto de isolamento, o primeiro é um quarto comum, com a placa do lado de fora indicando o isolamento, o segundo, tem uma arquitetura diferenciada devido ao rigor deste isolamento.
Nesse quarto tem uma antessala para que as profissionais de saúde se paramentem com os EPIs, com um grande vidro e uma porta que dá acesso ao quarto, parece um aquário.
Nossa história é sobre esse quarto.
Era uma terça, já havíamos visitado todos os quartos do nosso roteiro. Paramos no balcão de enfermagem a fim de saber quais crianças poderiam receber nossa visita, se havia alguma restrição ou isolamento, enfim.
A chefe da enfermagem que nos recebeu falou das crianças e das restrições, parou por um instante e nos pediu para que fôssemos no quarto (aquário) do D.
Ela achava que ele estava muito triste por não poder ir à brinquedoteca, nos orientou sobre o tipo de isolamento e disse que podíamos interagir através do vidro.
Chegamos na antessala e ele, do lado de dentro, nos observava curiosamente; sua mãe parecia mais encorpada com a nossa visita. Falamos e a mãe fez sinal que não dava para ouvir o que dizíamos.
Nesse momento, olhei para o canto do vidro e vi dois carrinhos estacionados ao lado da cama dele. Pegamos uma fita crepe no balcão ao lado e fizemos uma pista de corrida para os carinhos.
Apontamos pra ele, para os carrinhos, e ele entendeu aquele desenho feito com fita crepe no vidro; pegou seu carrinho e começou a passar timidamente pela pista.
Fizemos um estacionamento, nos despedimos e deixamos um aviso que voltaríamos na quinta. Ele acenou com a cabeça e continuou a brincar.
Na quinta-feira, Dr. Chabilson, meu parceiro, trouxe canetas coloridas para pintura em vidro e, eu, dois carrinhos turbinados. Começamos a reforma da pista. Tiramos as fitas e desenhamos o circuito de corrida mais perigoso, radical e colorido.
Havia polvo pirata, óleo na pista, carrinho de sorvete, chamas, posto de gasolina, obstáculos e estacionamento grátis.
Após as voltas para testar a pista, iniciamos o GP (Grande Prêmio) do Santa. Carros em suas posições, luz verde, começa. D. saí à frente, seguido de Chabilson e Mané (eu), que bate no polvo pirata. D. para no carrinho de sorvete pra se refrescar e Chabilson toma a dianteira, mas escorrega na pista de óleo e vai para o pit stop.
Mané ultrapassa, mas acaba sua gasolina e ele é obrigado a parar; nesse momento, D. passa sua frente, desviou dos obstáculos, segue líder e vence a corrida. Chabilson chega em segundo e Mané em terceiro. Saímos derrotados de alegria.
Próxima terça teria outro Grande Prêmio. E teve. Trouxe outros carros, mas perdemos novamente. D. ficou treinando na pista, que não foi apagada durante o período que ele esteve lá. A cada encontro, novos obstáculos eram colocados na pista.
Por duas semanas, D. venceu todas as provas. Como prêmio por um campeonato bem-sucedido, ganhou alta e agora desfruta no aconchego do seu lar os títulos e histórias.