Olá, quem escreve por aqui hoje sou eu, Dra Pamplona.
Tudo certo por aí? (na medida do possível). Espero que sim!
Sabe, estava eu aqui pensando, o que fazemos com as crianças dentro de um quarto de hospital não é tarefa fácil, tentamos sempre brincar com a criança que está ali dentro daquele corpinho ainda em formação, porém enfermo e com questões tão sérias… Isso nos revela um caminho para interagir com o que há de saudável dentro dela e ali se abre (muitas vezes) um caminho com diversas possibilidades, pois a criança por si só tem a brincadeira dentro dela, por natureza, e muitas das vezes só precisa de uma “start” para poder colocar ela pra fora, seja ela estando dentro de um hospital ou não.
Isso posto, hoje peço licença a todas as crianças que cruzam nossos caminhos nos corredores adentro do Hospital do Grajaú, e quero dedicar este relatório aos adultos e adultas que encontramos nos hospitais.
Virar pessoa adulta às vezes não é legal, né?
Quando a gente cresce, muitas vezes vira bicho besta que não gosta de brincar, ou melhor, muitas vezes não se permite brincar. Confesso pra você que pra mim, Dra. Pamplona, médica besteirologista, quando cruzo com uma pessoa adulta dentro do hospital que está disposta a brincar, cantar, ouvir ou contar uma história para essa palhaça (nem que seja por uma fagulha de tempo), isso me deixa muito satisfeita.
E na enfermaria adulta do hospital do Grajaú este mês, vivemos algo muito lindo, vou contextualizar para que vocês possam entender:
Dra Guadalupe, Dr. Filipeuto e eu, saíamos da UTI infantil e, no balcão da enfermaria da ala adulta (que fica no mesmo corredor), estava a Rô, uma funcionária que conhecemos naquele dia. Lá fomos dar “oi” e nos apresentar para ela que logo nos contou que a enfermaria adulta estava “pegando fogo” naquele dia. CALMA!!!
Não havia fogo nenhum (literalmente), mas os ânimos dos pacientes e equipe estavam um tanto quanto à flor da pele. Então a Rô disse:
– Olha, não sei se vai ser uma boa passar aqui hoje, as coisas estão beeeeeem animadas. Mas vocês é que escolhem.
Como gostamos de animação (contém ironia), escolhemos ir! E ainda bem que fomos. Pois neste dia tivemos a honra de conhecer um monte de gente pequena que mora dentro de gente grande. Sim, naquel dia no Grajaú tinha muita gente adulta que estava a fim de se permitir brincar. E foi um dia pra lá de especial. Quero destacar aqui nestas próximas linhas duas pessoas em especial: Antônio Bento (Tony Bento) e Dona Gersonita. A história com eles foi assim:
- FORMIGA CABEÇUDA
Seu nome é Antônio Bento, porém seu nome artístico é Tony Bento, sim, NOME ARTÍSTICO!!! Tivemos a honra de atender neste mês um artista (que tem até disco gravado).
Quando entramos no quarto de Seu Antônio, ele parecia estar um pouco confuso e não querendo conversar (ao contrário de suas acompanhantes), Erica (sua sobrinha) e Maria (sua esposa), ficaram super animadas com a nossa presença, porém, quando Antônio viu que estávamos com nossos instrumentos em mãos, ele se ajeitou em sua cama e deixou que Tony Bento falasse por ele, ou melhor, cantasse por ele.
Falou que era compositor da música “formiga cabeçuda” e que havia gravado um disco com o hit, nós então nos posicionamos e ali cantamos o grande sucesso de Tony Bento. Não acredita?! Pois saiba você que existe até uma gravação na internet com o sucesso, quer conhecer? Tá aqui, ó: Tony Bento – “Formiga cabeçuda” + “Corre-corre” (youtube.com)
- GRAN CIRCO DE GERSONITA
Neste dia no hospital foi um verdadeiro encontro de artistas, pois ao entrarmos no quarto de Dona Gersonita, não pudemos deixar de notar a beleza deste nome, que até o momento nenhum de nós, besteirologistas, havíamos nos deparado com tal nome em nossa vida toda. Eis que daí veio nossa curiosidade:
– De onde veio este nome? – queríamos nós saber.
Dona Gersonita falando baixo e com uma lembrança no olhar, disse:
– Minha mãe gostava muito de circo e, quando era jovem, havia um circo que sempre ia na cidade dela. Ela estava grávida de mim na época e, neste circo, havia uma trapezista de nome Gersonita, pela qual minha mãe era muito fã. Então, quando nasci, minha mãe não teve dúvidas e me chamou de Gersonita, foi isso.
Quando Dona Gersonita acabou seu relato, estávamos nós 3 observando-a encantados, nos olhamos e pensamos: “Vamos brincar de contar essa história”. Todas que estavam no quarto toparam, elas eram do tipo de pessoa adulta que se permite brincar e imaginar. E foi assim com a permissão de todas que montamos um verdadeiro circo dentro do quarto.
Dr. Filipeuto era o apresentador do circo e eu fiquei responsável em fazer a maravilhosa orquestra circense deste grande circo com a minha sanfona. Um circo se instaurava ali diante dos nossos olhos, e Guadalupe foi a grande estrela, a trapezista Gersonita.
Fomos narrando a história de Mariana (mãe de Gersonita), que sempre ia ao circo e ficava sempre muito encantada com a trapezista Gersonita. E assim, em meio a porta soro, os leitos, seringas e remédios, fomos imaginando e criando junto àquelas pessoas adultas, um circo de brincadeira.
Quando a pessoa, seja ela criança ou adulta, está a fim de brincar e se permite entrar na brincadeira, um mundo de possibilidades se abre, o quarto de hospital pode ser o que a gente quiser: circo, espaço sideral, passarela, escola, jogo de videogame, prato de macarronada, palco de ópera, escritório, floresta…
Basta só a gente se deixar conversar com a pessoa pequena que mora dentro das pessoas grandes.
Esses foram dois causos que aconteceram neste mês no Grajaú e que me marcaram muito, e que gostaria de partilhar com vocês. Pois como disse no começo deste relatório, são muitos os desafios enfrentados por nós, palhaças e palhaços, ao adentrar um hospital e trabalhar com as crianças.
Mas existe um universo muito rico a ser desvendado quando falamos de gente adulta internada, que, para mim (particularmente), tem sido uma descoberta deliciosa. Às vezes triste…. mas isso é assunto para um próximo relatório!
Beijos, muito obrigada!